Topo

Débora Miranda

Poliana Okimoto: carta da jovem atleta à 1ª medalhista olímpica da natação

Débora Miranda

02/02/2018 05h00

Para tudo existe começo, meio e fim. Foi com essa frase que Poliana Okimoto anunciou sua aposentadoria das provas oficiais de maratona aquática e da seleção brasileira, em dezembro passado. Não me conformei. "Todo atleta profissional um dia se aposenta", ela dizia, no texto que escreveu na internet. "Vai ser difícil me tirar da água. Vou iniciar provas amadoras." Mas nada me consolava.

(Reprodução/Instagram)

Verdade seja dita: eu nunca havia acompanhado uma maratona aquática na vida, antes de Poliana. Aliás, antes de Poliana começar a treinar no Corinthians. Ela chegou ao clube como parte dos projetos pelo centenário, em 2010, e que grata surpresa foi para mim descobrir que sua decisão não tinha sido tomada apenas com base na melhor proposta financeira que recebeu. A nadadora queria voltar para onde havia iniciado sua formação, queria ficar mais perto dos pais, que viviam no Parque São Jorge. Queria ser Corinthians uma vez mais. Ganhou meu coração.

Dois anos depois, Olimpíada de Londres, assisto, desolada, Poliana ser retirada de cadeira de rodas da prova em que era uma das favoritas. Teve hipotermia e desmaiou. Essa imagem nunca me saiu da cabeça.

Até 2016. A Olimpíada agora acontece no Rio de Janeiro, e é em terras brasileiras que Poliana se torna a primeira atleta da natação feminina nacional a ganhar uma medalha olímpica. Um bronze, tão emocionante quanto merecido, e justamente em casa! Entendi, então, que ela não era mais a atleta do Corinthians por quem eu tanto torcia. Era o Brasil, que naquele dia vibrou e se encheu de orgulho de uma modalidade que, provavelmente, pouco conhecia.

(Marcelo Pereira/Exemplus/COB)

Abaixo, Poliana escreve uma carta a ela mesma, lembrando das dificuldades e das alegrias de uma carreira campeã. Fala de quedas, de desafios, de tragédias pessoais como a de Londres, da vontade de desistir e, claro, de tantas voltas por cima. Lembra a solidão. E mostra como se tornou inspiração para todo um país.

*

Querida Poliana,

São 4 horas da manhã e você precisa se levantar. Vamos, não desista. Sei que você gostaria de ficar e dormir. Sei que gostaria de ser como qualquer outra garota de sua idade. Sei que a água provavelmente estará fria e que você terá de treinar sozinha. Sei que estará tudo escuro e que você terá medo.

Medo de que nada disso valha a pena, medo de que esteja perdendo sua infância e adolescência em busca de um sonho que nunca nenhuma mulher brasileira conquistou. Você está aprendendo que nada na sua vida é fácil, e é bom que se acostume com isso, porque terá que lutar com unhas e dentes para conseguir o que quer. E sei que você quer muitas coisas, sei que sonha com medalhas e sonha em ser alguém fora do comum.

Sei o quanto você gosta de nadar e o quanto as pessoas ao seu redor dão valor ao que você faz. Acho que já percebeu que você é especial e, por isso, será mais cobrada. Terá que treinar mais do que os outros atletas ao seu redor e vai se esforçar mais do que qualquer pessoa que conhece. Já percebeu também que esse esporte é solitário, que muitas vezes estará sozinha na piscina, na academia ou no clube.

Você ouvirá coisas que te farão querer desistir, mas meu conselho para você é que seja firme nos seus propósitos. Seja sempre você e nunca deixe que os outros digam até aonde irá. Isso só você pode dizer. Siga sempre com os pés firmes no chão e se cuide, pois, quando tiver sucesso, aparecerão muitas pessoas para bater nas suas costas. Mas somente algumas poucas continuarão ao seu lado nos momentos ruins –e, pode ter certeza, esses momentos virão. Repetidamente.

Em seu caminho, Poliana, encontrará muitas dificuldades. Terá que superar medos para conquistar o que mais deseja. Você vai "bater na trave" diversas vezes e vai falhar algumas outras. Vai pensar que chegou ao fundo do poço e terá vontade de jogar a toalha. Mas você é uma guerreira, uma pessoa com uma mente sem limites que, quando quer muito, vai atrás de seus sonhos sem titubear. Sempre com a certeza de que os alcançará.

Seu corpo pode não ser o ideal para esse esporte. Sei que gostaria de ser maior e mais forte, mas saiba que muitas dessas atletas "gigantes" gostariam de ter a mente que você tem, e isso é impossível de conquistar. Você nasceu com ela, você nasceu com essa cabeça de vencedora. Siga em frente, você conquistará tudo o que sonhou.

Dê graças a Deus pelas dificuldades, pois será com elas que mais aprenderá. E, principalmente, dê valor àqueles que te cercam, pois precisará deles. Você vai entender isso lá na frente. Chegará o momento em que você vai achar que não tem mais volta, que acabou. Mas você se dará mais uma chance e, como sempre, será obstinada e conseguirá o que quer. Você terá sua redenção, e será lindo!

Pode ter certeza de que sentirá dores, pode ter certeza de que terá que abdicar de tudo. E você vai passar vontades. De ser uma pessoa "normal", de comer, de sair, de descansar, de estar com a sua família. Mas também vai conhecer o mundo, vai ser aplaudida pelos feitos que conquistará e será muito feliz pela pessoa que se tornará.

E sabe aquele tamanho que você sempre quis ter? Não tê-lo vai ser justamente o seu diferencial. Você será ainda mais admirada por, franzina, conseguir vencer as "gigantes".

Boa sorte menina! Seja persistente, porque determinada você sempre foi. Gigante é a sua mente, e pequenos são os limites que você se impõe. Acredite sempre em você e terá orgulho de sua trajetória.

Um dia, pessoas se inspirarão na sua história.

*

Poliana Okimoto tem 34 anos, é nadadora, foi campeã mundial na prova Olímpica dos 10 km (2013), duas vezes vice-campeã mundial nos 5 km (2006 e 2013), duas vezes vice-campeã pan-americana (2007/2011), ganhou bronze no Campeonato Mundial nos 5 km (2009) e foi vice-campeã mundial nos 10 km (2006), entre tantos outros títulos. Sagrou-se Rainha da Copa do Mundo em 2009, com recorde de vitórias.

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?