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Débora Miranda

7 mulheres que lutaram pelo direito de praticar esportes

Débora Miranda

08/03/2018 05h00

Stamata Revithi: 40 km fora do estádio

Era uma vez uma mulher grega chamada Stamata Revithi. Em 1896, aos 30 anos, pobre e cheia de dificuldades, ela buscava emprego quando conheceu um corredor que estava indo para a Olimpíada. Conta a história que esse corredor a incentivou a ir aos Jogos Olímpicos. Se ficasse famosa, poderia ganhar dinheiro, reconhecimento e até um trabalho. Convicta, ela foi. Mas não era permitido mulheres nas competições. "Muito frágeis", diziam os homens. Stamata, então, decidiu correr a maratona de 40 km do lado de fora do estádio. Cumpriu o percurso em cerca de 5 horas e 30 minutos e fez com que testemunhas assinassem um documento comprovando seu feito. Com isso em mãos, tentou ser reconhecida, mas não conseguiu.

Charlotte Cooper: de vestido longo, a primeira medalhista mulher

Charlotte em partida de tênis (Reprodução)

O espírito batalhador de Stamata, no entanto, ficou marcado na história e incentivou tantas outras mulheres a lutarem pelo direito de praticar esportes. A britânica Charlotte Cooper participou em 1900 da primeira edição dos Jogos Olímpicos que permitiu mulheres. Ela jogava tênis –assim mesmo, de vestidão–, uma das modalidades liberadas. A outra era golfe. Charlotte, diferentemente de Stamata, já era uma atleta vencedora (inclusive já havia faturado três títulos em Wimbledon) quando pôde disputar a Olimpíada de Paris. Lá, ganhou a primeira medalha de ouro olímpica dada a uma mulher.

Alice Milliat: a lobista que criou sua própria Olimpíada

Precursora do remo, Alice Milliat aparece em imagem de 1913 (Reprodução)

Comenta-se que nessa mesma Olimpíada a francesa Alice Milliat (3) já começava a causar. Ela foi uma das maiores batalhadoras pelo direito de as mulheres praticarem esportes e participarem de competições oficiais. Reivindicou, fez lobby, pressionou e foi pioneira em muitos esportes, entre eles o remo. Também nadava e jogava hóquei. Em 1921, fundou a Federação Internacional de Esporte Feminino e, no mesmo ano, decidiu lançar uma espécie de Olimpíada de mulheres, ainda informalmente, em Monte Carlo –desafiando Pierre de Coubertin, que introduziu a Olimpíada na modernidade, mas era totalmente contra a participação de mulheres.

Com o passar dos anos, a participação dos países nos Jogos Olímpicos Femininos criados por Alice foi crescendo, além da empolgação do público em assistir às competições. Enfurecido, o Comitê Olímpico Internacional aceitou então, nos jogos de 1928, depois de uma negociação com Alice para que ela não usasse mais o nome Olimpíada em seus eventos, adicionar mais dez categorias femininas à competição oficial. Feminista e politizada, Alice também formou um time de futebol em 1920, que representou a França no primeiro torneio de futebol feminino da história. A equipe excursionou pelo Reino Unido, de onde vem também o primeiro clube de futebol feminino, criado em 1894 por Nettie Honeyball.

Nettie Honeyball: futebol com alma e coração

Honeyball (a segunda a partir da esq., em cima) criou o primeiro time de futebol (Reprodução)

A precursora do futebol feminino era engajada e batalhadora. Por meio de um anúncio no jornal, conseguiu mobilizar 30 mulheres e formar o British Ladies Football Club, time que se reunia para treinar duas vezes por semana. Em entrevista ao jornal "Daily Sketch", em fevereiro de 1895, Honeyball afirmou: "Queria provar ao mundo que as mulheres não são essas criaturas ornamentais e inúteis que os homens imaginam".

A repercussão foi grande. Muitos comentários na imprensa da época criticavam as mulheres, dizendo que elas não tinham talento para o futebol. Mas as partidas passaram a atrair milhares de pessoas. Historicamente, é quase certo que Honeyball nunca tenha existido. Pelo menos não com esse nome. Estudiosos apostam que Mary Hutson, capitã do time, tenha adotado essa identidade para se preservar, numa época em que as mulheres não tinham direito nenhum. Ela contou com o apoio de Lady Florence Dixie, aristocrata e também feminista, que aceitou presidir e financiar o time.

Léa Campos: brasileira foi a primeira árbitra do mundo

Muuuito tempo depois, outra mulher se tornou precursora do futebol, mas atuando de forma diferente. A mineira Léa Campos se estabeleceu como a primeira árbitra de futebol do mundo. Léa se apaixonou pelo futebol ainda criança e chegou a jogar em um time clandestino na época em que havia no Brasil o decreto-lei 3.199, que proibia as mulheres de praticarem futebol. Léa se formou jornalista e chegou a trabalhar na parte de relações públicas do Cruzeiro. Mas depois decidiu cursar educação física, já sonhando em atuar como árbitra.

Teve, no entanto, que enfrentar muita resistência, inclusive do então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (e futuro presidente da FIFA) João Havelange. Fez o curso de arbitragem e, formada, seguiu enfrentando proibições e muito machismo. Chegou a ser vetada em alguns Estados do Brasil. Mas finalmente, em 1971, foi convidada pela FIFA para apitar um torneio mundial de futebol feminino amistoso, realizado no México. E aí não parou mais de trabalhar.

Maria Lenk: uma lenda na natação

Maria Lenk foi pioneira do nado borboleta (Reprodução)

Entre as brasileiras que lutaram pelo espaço feminino no esporte, Maria Lenk jamais pode ser esquecida. Nascida em São Paulo, ela deu suas primeiras braçadas no rio Tietê –quando isso ainda era viável. Depois de sofrer com pneumonia, seus pais acharam que o esporte a ajudaria na recuperação. Aos 17 anos já era reconhecidamente uma atleta de nível internacional.

Foi a primeira mulher em toda a América do Sul a ir para uma Olimpíada, em Los Angeles, 1932. Quatro anos depois, na Olimpíada de Berlim, destacou-se como a precursora do nado borboleta entre as mulheres, apresentando a modalidade na prova de nado peito. Quebrou recordes de toda espécie e se tornou uma lenda –aliás, foi a primeira brasileira a entrar no Hall da Fama da FINA (Federação Internacional de Natação).

Nadou durante toda a vida e ficou conhecida pelo gênio forte. Morreu aos 92 anos, de parada cardiorrespiratória, enquanto treinava no Flamengo. Ela ainda nadava diariamente cerca de 1.500 metros por dia.

Kathrine Switzer: batom e coragem para completar a Maratona de Boston

Kathrine Switzer é agarrada na maratona (Reprodução)

E para concluir esta lista de heroínas vem a americana Kathrine Switzer, primeira mulher a correr a tradicionalíssima Maratona de Boston, em 1967. Um ano antes, Roberta Bingay Gibb já havia completado a prova, mas sem inscrição oficial. Kathrine lembra que não havia regra proibindo mulheres na corrida, mas que era raro a participação delas em eventos esportivos oficiais. Ela se inscreveu apenas com as iniciais de seu nome, K.V. Switzer, de forma que não era possível saber se era homem ou mulher.

Mesmo seu técnico, Arnie Briggs, achava que a distância era longa demais para uma "mulher frágil". Mas ele prometeu que, se durante os treinos ela conseguisse correr os 42 km da prova, a levaria até Boston. E assim foi.

Na prova, Kathrine diz que não tentou se esconder e usou até batom! Mas, a certa altura, foi agarrada por um homem, que tentava pará-la. "Saia da minha corrida e me dê esses números", dizia o diretor Jock Semple, tentando arrancar o número que ela usava no peito: 261. Kathrine conseguiu se desvencilhar dele com a ajuda do namorado e transformou a indignação em força. Desistir da prova, para ela, não era opção. "Eu sabia que se fizesse isso ninguém acreditaria que nós, mulheres, podíamos correr grandes distâncias. Eu estava comprometida com a minha corrida e não ia deixar o medo me parar." Ela completou a prova em quatro horas e 20 minutos, mas depois foi desqualificada.

Mesmo assim, entrou para a história como um dos grandes exemplos do esporte. Correu muitas outras maratonas depois dessa e reviveu a experiência de Boston no ano passado –agora, claro, sem interrupções–, 50 anos depois do ocorrido. Ela usou o mesmo número, 261, e a Maratona de Boston prometeu aposentá-lo em sua homenagem.

*

Nós, que amamos o esporte, devemos muito a Kathrine, Alice, Maria e tantas outras mulheres que lutaram pelo nosso direito de correr, jogar futebol, nadar, lutar. Ou mesmo só de torcer. Por não aceitarem limitações nem preconceitos, temos hoje a liberdade de ser o que quisermos, com respeito e igualdade. Há muitas outras mulheres que marcaram a história do esporte, com atitudes e com medalhas, e tantas outras que se superam todos os dias, sem reconhecimento. Mas também sem estigmas.

Feliz Dia Internacional da Mulher a todas e todos!

Um viva ao sexo mais forte e batalhador
que já pisou neste planeta Terra!

 

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?