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Débora Miranda

Campeã mundial de boxe venceu sobrepeso e preconceito

Débora Miranda

12/04/2018 05h00

Rose Volante tinha 26 anos e 105 kg quando decidiu mudar de vida, em 2008. "Eu não aguentava mais ser gorda. Me privava de muitas coisas e era ruim para a minha saúde. Mas nunca gostei de academia nem de ginástica e musculação. Foi quando vi uma reportagem dizendo que o boxe, por ser dinâmico, podia fazer uma pessoa queimar mais de mil calorias em um treino", lembra.

A boxeadora brasileira Rose Volante (Divulgação)

O que ela não sabia era que o esporte se tornaria sua grande paixão e a levaria a muitos títulos –o mais especial deles, o inédito campeonato mundial, conquistado em dezembro, na Argentina. Agora, ela defenderá o título em um embate histórico contra a panamenha Lourdes "La Felina" Borbua, campeã latina pelo Conselho Mundial de Boxe. Será no dia 21 deste mês, em Santos. A última luta no Brasil por título mundial aconteceu há mais de 50 anos, com Eder Jofre.

"A preparação está a mil. Estou treinando muito mais do que treinei para a luta da Argentina, estou dando minha vida aqui. Vai ser uma luta dura. Estou me preparando muito, e sei que ela também. Com certeza vai ser um show de boxe", diz ela, orgulhosa.

Preconceito e rejeição

Antes de tudo isso, no entanto, quando ainda estava começando no boxe, Rose teve de lidar com preconceito e rejeição. "Havia uma escola de boxe da prefeitura perto da minha casa, em Pirituba. Como eu não tinha condições de pagar uma academia, decidi ir lá. Embora fosse um clube-escola da prefeitura e todos pudessem participar, não tinha nenhuma mulher. Perguntei se tinha boxe feminino, e o treinador me respondeu: 'Está vendo alguma mulher treinando aqui?'. Eu ainda brinquei e falei: 'Então serei a primeira!'."

Rose lembra que o treino era pesado, mas só para os homens. O técnico simplesmente a ignorava. "Ele não me dava muita atenção, não. Não me passava treino. Mesmo assim, eu ia à aula. Fazia o aquecimento com todo o mundo, que era basicamente corridas em volta do ginásio. Eu não conseguia correr tudo, por causa do sobrepeso. Então, corria um pouco e andava um pouco."

E continua: "Quando chegava a parte técnica do treino, eu ficava lá, sozinha. Pegava um pouco de cada coisa, via os outros fazendo. Contava com o apoio dos meninos, que iam me ensinando 'isso é um jab, isso é um direto'. E eu fiquei assim por um ano, treinando todos os dias. Perdi 40 kg."

A primeira vez em um ringue

Chegou a época da Virada Esportiva em São Paulo, evento da prefeitura que reúne diversas atividades por toda a cidade. O técnico de Rose disse que haveria meninas competindo e que ela poderia participar se quisesse. "Eu queria saber a adrenalina que era entrar num ringue. Topei! No dia, não tinha ninguém do meu peso, da minha categoria. Acabei lutando com uma menina bem mais pesada e ganhei por nocaute. Foi quando decidi procurar uma equipe. Queria competir mais."

Rose lembra que a estreia a deixou ansiosa. "Eu fiquei muito, muito, muito nervosa. Muito mesmo! Meu coração estava a mil por hora, mas, quando passei as cordas, senti muita emoção."

Ela se juntou, então, a uma equipe, com a qual disputou campeonatos amadores. Ao mesmo tempo, dava aulas. "Tinha que conciliar o trabalho com os treinos, então, não estava praticando tanto quanto eu gostaria e precisava. Já estava a ponto de parar, por falta de incentivo."

Rose conquista o cinturão contra a argentina Brenda Carabajal (Divulgação)

A mudança para o boxe profissional aconteceu com o apoio da equipe Memorial, que a convidou para morar em Santos e se dedicar totalmente ao boxe. "Desde que eu vim para cá, comecei a treinar dois, três períodos. Em dezembro surgiu a oportunidade de ir para a Argentina disputar o Mundial. Me dediquei muito, treinei demais e foi uma luta dura [contra Brenda Karen Carabajal], mas trouxe esse título inédito para o Brasil", diz a campeã, que hoje, aos 35 anos, tem em seu currículo 11 lutas invictas, com 6 vitórias por nocaute.

Pouca divulgação, poucas mulheres

Segundo Rose, o boxe feminino ainda é pouco divulgado no Brasil. "Como quase não há mídia, as pessoas acabam não conhecendo tanto o esporte. Mas temos uma nova geração vindo aí, e acredito que será de medalhistas olímpicas e mais campeãs mundiais. Ainda falta reconhecimento, mas estamos conquistando nosso espaço. Seja em qual área for, a mulher está mostrando que é dedicada e persistente."

Quando passava madrugadas assistindo a lutas pela TV na companhia da mãe –especialmente as de Mike Tyson–, não imaginava que sua vida seria transformada justamente por esse esporte. "O boxe mudou tudo para mim. Me deu saúde, qualidade de vida, o corpo que eu queria. Me ensinou disciplina para me alimentar corretamente, para manter uma rotina regrada. O boxe educa e me mudou por completo."

Prestes a defender o título mundial em seu país, Rose se diz realizada. "Eu precisava emagrecer, emagreci. Queria me tornar campeã brasileira, consegui. Queria ir para a seleção, fui. Conforme o tempo passa, os sonhos vão mudando e são eles que nos motivam a seguir adiante. Hoje, quero defender meu título mundial e conquistar outros. Os meus sonhos no esporte não acabaram. Eles continuam crescendo."

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:: Defesa do título mundial de boxe feminino
Dia 21 de abril, a partir das 19h30
Na Arena Santos (Av. Rangela Pestana, 184, Vila Matias, Santos)
Informações pelo tel. (13) 3257-3930)
Ingressos a partir de R$ 20 pelo site www.compreingressos.com.br ou em pontos de venda autorizados

:: Na TV, transmissão pelo canal SporTV 2

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?