Regatista encara volta ao mundo, oito meses em um barco
Oito meses de competição e mais de 83 mil quilômetros percorridos. No mar. Assim é a tradicional Volvo Ocean Race, regata considerada uma das mais severas e desgastantes do mundo. A edição atual, que recentemente passou pelo Brasil, parando em Itajaí (SC), conta com 76 competidores, sendo 58 homens e apenas 18 mulheres –entre elas a brasileira Martine Grael e a espanhola Támara Echegoyen, que conversou com o blog.
A participação das mulheres ainda é restrita e, na intenção de abrir espaço para as regatistas na vela oceânica, a organização da prova recentemente mudou as regras da disputa. A tripulação masculina de cada equipe foi limitada a sete membros. E as tripulações mistas ganharam vantagem numérica. É possível formar equipes de sete homens e uma ou duas mulheres; sete mulheres e um ou dois homens; cinco homens e cinco mulheres ou 11 mulheres.
Támara, 34 anos, está na equipe Mapfre, que tem nove integrantes –contando com ela e com a australiana Sophie Ciszek (que se machucou e deixou a prova). A espanhola é cinco vezes campeã do mundo e ganhou medalha de ouro na Olimpíada de Londres, em 2012. E, apesar desse currículo recheado de títulos, nunca tinha participado de uma Volvo Ocean Race –para ela, um sonho antigo. Em outubro do ano passado, partiu de Alicante, na Espanha, e só deve parar em Haia, na Holanda, no fim de junho.
Nesta entrevista, Támara conta sobre as dificuldades da corrida eem como pôde contar com os companheiros de equipe em sua primeira experiência na Volvo Ocean Race, mas revela: "Lutei contra o preconceito a minha vida inteira". Leia trechos abaixo.
Como foi seu preparo e o início da corrida?
A verdade é que foi difícil, como tudo [na vida]. Quando você muda e começa algo novo, é um pouco mais duro, mas tive muita sorte por estar em uma equipe com bons amigos, grandes regatistas que tiveram paciência para me ajudar a melhorar. Foi um período curto, não tive muito tempo de preparação antes da saída em Alicante, mas precisei me dedicar muito. Foi uma experiência intensa, mas, para mim, muito gratificante.
Qual é o papel de cada um no barco? Há diferenças de funções entre homens ou mulheres?
Há tripulantes e não pode haver diferenças de gênero. Como navegamos quatro horas, com quatro tripulantes –enquanto os demais descansam–, precisamos saber fazer de tudo. É importante treinar a equipe para que todos possam dar uma mão no que for possível e sejam polivalentes. Por isso não há diferenciação, não há essa possibilidade. Precisamos de regatistas de qualidade, e isso é o que há no barco. Convivemos e respeitamos uns aos outros. Temos que nos ajudar.
Poderia explicar sua função a bordo? Você se responsabiliza também pela segurança?
Além das funções que temos como regatistas, no meu caso, o cuidado com as velas, estou bastante envolvida em todas as manobras. Além disso, temos responsabilidades dentro do barco. No meu caso seria a segurança, uma responsabilidade grande. É muito importante que tudo esteja perfeito para evitar um acidente ou uma perda.
A regata exige muito de você fisicamente?
Sim, muitíssimo. Não é somente o esforço físico de cada manobra, mas a manutenção dele ao longo do tempo. Muitas etapas são de 20 dias e há aquelas em que encontramos más condições de vento. Aí é preciso trabalhar as quatro horas do seu turno. O desgaste é muito grande. Para os homens também, mas é verdade que, muitas vezes, é maior para nós. No final das contas, eu acho que a diferença se esvai e todos ficamos cansados, cada a um a seu nível, mas precisamos levantar a cabeça. Precisamos aguentar e trabalhar até o final.
Como você se preparou fisicamente?
Na equipe há um preparador físico, que se encarrega de desenvolver um plano de trabalho. Na água, nos desgastamos muito. Quando estamos em período de descanso, não é para ficar na cama, mas para voltar à forma. Sobretudo, o que é mais importante, para não se lesionar tanto. Criar força física é importante para aguentar uma volta ao mundo sem lesões que te façam abandonar o barco.
É uma competição que te faz ficar também muito tempo fora de casa. É um grande sacrifício para você?
Claro que há uma parte de sacrifício, mas estou bastante acostumada a estar longe de casa. Fiz duas campanhas olímpicas e costumo viajar muito. Eu não passei pela Galícia ainda [sua terra natal], mas, no final da corrida, os tempos de descanso são superimportantes e, muitas vezes, é necessário voltar para casa. Mas tive sorte que minha família me veio ver e isso compensa um pouco.
Ao mesmo tempo você tem a possibilidade de viajar o mundo, conhecer lugares novos, e isso é um privilégio. Do que você mais gosta?
É uma oportunidade única. Estamos dando a volta ao mundo em um barco, conhecendo países onde eu nunca estive e culturas totalmente diferentes. No final, vivemos num mundo pequeno e somos uma grande família.
Por que você acha que as mulheres continuam sendo minoria nesse esporte? Isso está mudando?
Eu acho que tudo está mudando. No final das contas, não somente a vela, mas os esportes femininos estão crescendo. Agora, é verdade que muitos deles só têm espectadores masculinos. Mas há uma evolução. Há algumas edições [da Volvo Ocean Race] quase não havia mulheres. Acho que é questão de tempo e de abrir portas. Todos juntos, meninos e meninas, precisam trabalhar para trazer mais diversidade para a vela.
Existe algum episódio no qual você precisou lutar contra preconceitos?
Toda a minha vida! (risos).
Apesar disso, você vê seu talento sendo reconhecido?
Acho que sim. Há muita gente que demonstra e que me fala, mas para outras ainda é difícil reconhecer. No final, é tudo parte da mudança.
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