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Débora Miranda

Apaixonadas por futebol, mulheres criam grupos feministas nas arquibancadas

Débora Miranda

17/05/2018 12h25

"Sou contra o feminismo, especialmente na arquibancada." Quando ouvi isso de uma torcedora de futebol que frequenta estádios desde os anos 1980, meu coração se partiu em um milhão de pedacinhos. Primeiro e mais básico de tudo: como é possível uma mulher ser contra um movimento que busca unicamente garantir que ela tenha os mesmos direitos e as mesmas oportunidades que todo o mundo? Faz algum sentido?

Mas ainda mais contraditório é uma apaixonada por futebol falando isso. Uma mulher que, óbvio, conhece a realidade machista e muitas vezes opressora que ainda existe nos estádios e nas torcidas. Melhorou? Melhorou! Mas ir a um estádio de futebol ainda é –e cada vez mais é– uma ação estritamente feminista. É ocupar, garantir espaço, exercitar direito, buscar igualdade.

E, para deixar isso muito claro, a mulherada vem se unindo para criar coletivos feministas nas arquibancadas do Brasil inteiro. Apaixonadas por futebol, elas lutam não apenas pelo direito de torcer em paz e com respeito, mas por banheiros melhores, camisas femininas, ouvidorias atentas às questões da mulher, espaço para atuar nos clubes –profissional e politicamente– e representatividade.

Conheça, abaixo, alguns desses coletivos, suas propostas e suas batalhas. Dá muito orgulho. E mais do que isso, dá esperança de que possamos um dia viver num mundo em que não exista homem ou mulher, no futebol ou fora dele, que diga "sou contra o feminismo".

Lugar de mulher é onde o Santa estiver! Torcedoras do Santa Cruz criaram o Movimento Coralinas (Arquivo Pessoal)

:: Movimento Coralinas
Fundado em 5 de agosto de 2016, em Recife-PE
Formado por torcedoras do Santa Cruz Futebol Clube
Integrante entrevistada: Rafaela Inácio

 

Como começou o coletivo?

A ideia já pairava sobre algumas amigas frequentadoras de uma torcida do Santa Cruz, mas o lastimável acontecimento do estupro coletivo da menina do Rio de Janeiro fez com que déssemos a ela caráter de urgência. Então em agosto de 2016, no Pátio de Santa Cruz –lugar icônico, onde o clube foi fundado–, eu e mais sete mulheres demos nome, imagem e ideologia ao Movimento Coralinas.

Quais são os princípios do coletivo?

O feminismo atuante nas arquibancadas. Nossa luta é para tornar o estádio um ambiente menos tóxico para as mulheres que amam o futebol assim como nós. É contra o machismo impregnado na cultura do futebol e a desvalorização do futebol feminino.

Que tipo de ações promovem?

Temos uma pelada que acontece toda semana no Society do Arruda, aberta a meninas torcedoras de qualquer clube. Também promovemos campanhas para incentivar mulheres a frequentarem o estádio, além de ações pelo Dia da Mulher e Dia da Criança. Promovemos o debate Mulher no Futebol: de Coadjuvante a Protagonista. Batalhamos pela produção de camisas oficiais femininas. Criamos a ação Caixinha nos Banheiros, por meio da qual distribuímos material de higiene pessoal para as mulheres no Arruda e, hoje, depois de muita reivindicação, o clube já fez melhorias nos banheiros.

Vocês trabalham unicamente pelos direitos da mulher na arquibancada ou há outras frentes?

Nossa luta é prioritariamente a feminista, mas não nos restringimos ao estádio. Realizamos ações fora do Arruda, participamos de palestras e de rodas de diálogo. Também atuamos fortemente ao lado de outros coletivos que lutam pelos direitos humanos e fazemos questão de levantar bandeiras sociais, como o direito à moradia.

Quais as maiores dificuldades que as mulheres torcedoras de futebol ainda enfrentam?

A maior dificuldade é a resistência dos homens em perceber que a mulher sabe, ama e consome futebol assim como eles. Nos últimos anos houve, sim, uma mudança bastante significativa desse cenário, que se dá pelo crescente número de grupos e movimentos feministas em todos os âmbitos da sociedade. Essa mudança tem chegado ao futebol, mas ainda há muito a melhorar.

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Torcedoras do Internacional formaram o INTERfeminista (Arquivo Pessoal)

:: Coletivo INTERfeminista
Fundado em março de 2016, em Porto Alegre-RS
Formado por torcedoras do Internacional
Integrante entrevistada: Natália Andreazza

Como começou o coletivo?

Em março de 2016, o marketing do Internacional lançou uma campanha lamentável no Dia Internacional da Mulher, dando a entender que a maior conquista da mulher colorada era a admiração dos homens. A repercussão foi tão negativa que a campanha foi retirada do ar poucas horas depois. A Isadora, sócia do Inter e uma das integrantes do coletivo, escreveu uma carta aberta ao Inter, repudiando a campanha e levantando o questionamento sobre a imagem que o clube tem de suas torcedoras. Desse fato, somado à baixa representatividade feminina no conselho, surgiu um grupo fechado que virou a página do coletivo.

Quais são os princípios do coletivo?

Nosso principal objetivo é ouvir, auxiliar e empoderar as mulheres que vivem o Inter e o futebol, assim como nós –sejam torcedoras de arquibancada, mulheres que ocupam cargos diretivos no clube, jornalistas esportivas, jogadoras, funcionárias do clube, profissionais de arbitragem e, por que não?, as que estão na torcida rival também.

Pode citar ações específicas, que considere importantes na atuação do coletivo?

Já promovemos várias ações ao longo deste período. Uma delas foi uma carta proposta para os candidatos à presidência do Inter, durante a campanha eleitoral em 2016. Foi uma experiência totalmente positiva, pois a maioria das demandas foi atendida pelo candidato eleito, dentre elas a implementação da ouvidoria feminina, a extinção das 'musas do saci' e a volta do time feminino. Além da carta, tivemos ações importantes, como a hashtag #OuviNoEstadio, que propôs  expor frases misóginas ouvidas por torcedoras nos jogos.

Sentem preconceito e resistência?

A receptividade foi muito positiva pela maioria, principalmente pelas mulheres. Infelizmente, uma parcela ainda insiste em associar feminismo a radicalismos e "mimimi" (principalmente quando envolve futebol, um meio muito machista e preconceituoso), porém, aos poucos, conseguimos mostrar com nossas ações e campanhas que existimos unicamente para tornar o espaço futebolístico mais diverso, respeitoso e igualitário.

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Corintianas mobilizadas contra o machismo no Movimento Toda Poderosa Corinthiana (Arquivo Pessoal)

:: Movimento Toda Poderosa Corinthiana
Fundado em 19 de março 2016, em São Paulo-SP
Formado por torcedoras do Corinthians
Integrante entrevistada: Mônica Toledo

Como começou o coletivo?

Começou quando a gente foi convidada a fazer uma pesquisa no Núcleo de Estudos do Corinthians sobre a história da mulher corintiana. Vimos que, embora a mulher estivesse sempre presente, havia pouco registro sobre seu papel e sua participação. Colhemos depoimentos de torcedoras antigas e vimos que a mulher corintiana não era participativa, não tinha espaço no clube. Aí surgiu a necessidade de formar o coletivo.

Sentem preconceito e resistência?

Nós sentimos resistência dos homens, lógico, principalmente do torcedor organizado. Mas gostamos de frisar que não estamos lá para brigar com ninguém. Queremos conquistar um espaço nosso. Não estamos travando uma batalha com inimigos, estamos travando uma batalha por respeito com irmãos e irmãs de arquibancada. Mas onde eu sinto mais resistência é entre as mulheres, principalmente com relação às de torcida organizada. Procuramos, no entanto, respeitar isso, entender que cada uma tem seu tempo . O nosso foco, principalmente, é o Corinthians. A partir do momento em que você transforma o Corinthians, você transforma tudo.

Pode citar ações específicas, que considere importantes na atuação do coletivo?

Uma das mais marcantes e que teve uma repercussão grande foi a questão da segunda camisa, que a Nike lançou e não fez modelo feminino. A gente se mobilizou muito com isso, porque ficamos indignadas como torcedoras. Mais da metade da torcida do Corinthians é mulher, e a mobilização foi grande. Até que a Nike voltou atrás. Foi um marco para nós e mostrou o quanto é importante a mobilização, a união das mulheres para conseguir o que querem.

Quais são os princípios do coletivo?

A igualdade de direitos e de oportunidades para as torcedoras do Corinthians. A gente fala mais das corintianas, mas é óbvio que isso acaba abrangendo todas as mulheres no futebol. A gente acha que, como Time do Povo, como um time de massa que tem muita influência na mídia, O Corinthians pode transformar muito socialmente. Ele sempre foi um clube inclusivo. A gente também fala da oportunidade de trabalho, porque tem muitas mulheres hoje se formando em várias áreas do esporte. Por que não ter no nosso centro de treinamento médicas, fisioterapeutas mulheres, técnicas, auxiliares? Tem muita mulher preparada para isso. Também há a parte política do clube, em que a mulher é minoria. Queremos ter uma mulher presidente do Corinthians, uma mulher diretora de futebol.

Quais as maiores dificuldades que as mulheres torcedoras de futebol ainda enfrentam?

Em nossas pesquisas percebemos que muitas mulheres não vão ao estádio primeiro porque ainda têm medo da violência. A mulher dentro do estádio tem que ser valorizada pelo clube por ter um papel pacificador. A mulher não é de enfrentamento, não é de briga. Então, quanto mais mulheres, mais o futebol será pacífico. Vimos também que muitas mulheres não vão a jogos por questões de dinheiro. Quando há uma crise financeira na família, quem deixa de ir ao estádio é a mulher, e não o homem. A gente gostaria que o Corinthians olhasse para essas mulheres. Que houvesse algum tipo de programa para elas dentro do Fiel Torcedor, por exemplo. Outra coisa que temos pedido muito: uma ouvidoria feminina. Se a mulher sofre algum tipo de constrangimento, ela não vai querer falar com um homem. Poderia existir um espaço na arena para que as mulheres fossem atendidas e socorridas quando houvesse necessidade. Eu acho que muita coisa já mudou nos estádios, mas seguimos lutamos por aquilo em que acreditamos e, quando a mulher procura o espaço dela, ela não está ofendendo homem nenhum. O Corinthians é cada um de nós, e todos temos direito de participar do que diz respeito a ele, independentemente de gênero. Estamos do lado de quem quer fazer um mundo e um Corinthians melhor para todos..

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Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?