Topo

Débora Miranda

Aos 12 anos, menina revelação do automobilismo sonha com F-1

Débora Miranda

22/09/2018 04h00

Corrida de kart, o campeão cruza a linha de chegada. Imediatamente, desacelera para comemorar. A segunda colocada não percebe a queda de velocidade e bate. Decola em cima da roda do carro e capota três vezes. É Antonella Bassani, na época com sete anos. "Na hora do primeiro impacto, eu segurei muito forte o volante e meu pulmão virou um tijolo. Nisso, o caninho do pulmão se rompeu, porque ele virou um tijolinho na hora em que eu tive medo", afirma ela, hoje com 12 anos, que diz só se lembrar da história "porque todo o mundo conta".

Antonella Bassani, 12 anos, ficou em segundo lugar no Sul-Americano de Rotax (Divulgação)

Antonella é uma das maiores revelações e promessas do automobilismo nacional. Entre suas conquistas mais importantes estão o vice-campeonato Sul-Americano de Rotax e a classificação para a final do Mundial de Rotax, em que ficou em oitavo lugar entre 36 pilotos do mundo todo. Hoje, é acompanhada de perto pela piloto Bia Figueiredo, que a aconselha e ajuda a administrar a carreira da pequena catarinense de Concórdia.

Veja também:

Totti, como é conhecida, nunca quis largar o automobilismo. Depois do trauma, levou seis meses para ter alta médica e voltar a praticar esportes. "Eu comecei a tentar outros esportes, vôlei, tênis, futebol, futsal. Aí teve uma hora em que eu cheguei para o meu pai e disse: 'Pai, não me adaptei em nenhum esporte'. Daí ele falou: 'Mas, filha, você tem certeza de que quer voltar a correr?'. E eu falei que sim. Tinha um pouco de medo, fui até no psicólogo para tirar o medo, porque era aquilo que eu queria. E o medo era uma coisa que batia né?", lembra ela.

Em entrevista ao Extraordinárias, ela conta como recebeu uma bandeira preta e foi desclassificada em sua primeira corrida por ser lenta demais na pista e como era sacaneada pelos meninos. "Na época em que eu comecei, eu andava mal para caramba né? Todo o mundo, eu creio. E eles me zoavam. Mas depois nunca mais. Eu fui melhorando, melhorando, melhorando e não teve mais isso. Impressionante!"

*

Como foi que você tomou gosto por corridas de carro?

Meu pai já corria de carro de terra. Aqui no Sul, tem corrida de terra, é igual motocross, mas com carros, entendeu? Ele fazia esse tipo de corrida, e eu acompanhava ele quando eu tinha uns dois ou três anos. Mas eu ainda não sabia muito nessa época. Daí, quando eu tinha quatro anos, a minha irmã, que tinha seis, pediu para andar de kart. Meu pai deixou. Ela andou, mas bateu numa árvore e não quis mais. Aí eu, com quatro anos, meu bico e minha bonequinha, pedi para o meu pai se podia tentar andar naquilo. Nem sabia o nome, primeiramente. Ele falou que eu era muito pequena, mas insisti, e ele disse que daria um jeito. Pegou umas pedaleiras bem grandes, colocou um monte de almofada atrás, e eu consegui. Fui andando e, conforme o tempo, fui melhorando.

Quando foi a sua primeira corrida?

Foi em um Brasileiro, quando eu tinha cinco anos. Eu tomei bandeira preta, que é quando você é desclassificada da prova por lentidão, porque estava muito devagar, ou porque fez uma coisa errada. Eu, no caso, fui porque eu era muito lenta. Mas foi passando o tempo e eu fui melhorando, melhorando. A segunda corrida que eu fiz lá eu ganhei. Tinha sete anos.

Antonella sofreu um acidente grave de kart aos sete anos, mas não quis parar de correr (Divulgação)

Pode dirigir kart assim tão nova?

Eu comecei com quatro anos e meio, mas eu já treinava com cinco. Correr, mesmo, só pode com cinco. Nunca mais quis parar.

Você sofreu um acidente grave quando teve sete anos. Como foi?

Quando acabou a prova, eu passei na bandeirada, o cara tirou o pé. Eu não vi e subi em cima dele. Na verdade, eu peguei no eixo do cara, na roda. Fui capotando e, na hora do primeiro impacto, eu segurei muito forte o volante, e meu pulmão virou um tijolo. Nisso, rompeu o caninho do meu pulmão, porque ele virou um tijolinho na hora em que eu tive medo. Mas eu só lembro mais porque hoje todo o mundo conta.

Como foi a recuperação?

Eu fiquei 15 dias no hospital, sendo cinco no CTI (Centro de Tratamento Intensivo) e dez no hospital, tipo de cama. O médico pediu seis meses sem fazer nenhum exercício físico. Depois que tive alta, eu comecei a tentar outros esportes, vôlei, tênis, futebol, futsal. Aí teve uma hora em que eu cheguei para o meu pai e disse: 'Pai, não me adaptei em nenhum esporte'. Daí ele falou: 'Mas, filha, você tem certeza de que quer voltar a correr?'. E eu falei que sim. Tinha um pouco de medo, fui até no psicólogo para tirar o medo, porque era aquilo que eu queria.

O psicólogo te ajudou?

Demorou um ou dois anos para eu perder o medo, porque era uma coisa que batia né? Foi ali que aconteceu. Quando eu perdi o medo, a primeira corrida que fiz foi em um Brasileiro também. Na semana eu acho que deu aquela pressão, porque eu nunca tinha andado com 36 karts e dificuldade um pouco mais avançada. Fiquei em penúltimo ou antepenúltimo, por aí. Mas depois eu vi que não tinha mais motivo para ter medo, parei o psicólogo e vou sem nada agora.

Como é o seu dia a dia?

Eu treino sábado e domingo, no kartódromo. Nunca teve uma semana em que eu não treinei. Essa é minha rotina. Daí, de segunda e quarta eu tenho academia. Para fortalecer costas, pernas e braços. Às segundas, eu faço inglês. E vou ao colégio, estou no sexto ano.

Seu pai e sua mãe sempre te apoiaram?

Meus pais sempre me incentivaram, desde o começo. Eles tiveram um pouco de medo depois que eu voltei do acidente. Mas, conforme o tempo foi passando, eles perderam o medo e estão sempre comigo.

Eles te dão algum conselho? Dizem: "Filha, não faça loucura enquanto está dirigindo"?

Não, essa é mais a parte da minha avó, mesmo. Ela fala: "Não anda rápido!". Vó é vó, né? Ela acende um monte de vela!

A piloto de Stock Car Bia Figueiredo, que orienta Antonella (Divulgação)

Como você aprendeu a dirigir?

Eu simplesmente peguei o kart e andei. Assim, do nada. Foi impressionante. E fui aprendendo conforme a minha carreira [foi evoluindo]. Era eu e a minha mente, sozinha. Agora, às vezes a Bia [Figueiredo] vai lá e me dá uns conselhos. Mas quando ela não pode, porque tem corrida, sou eu sozinha, na minha.

Hoje tem bastante menina correndo?

Na verdade, na minha categoria não tem muitas. Mas neste Brasileiro apareceram mais algumas. Isso que foi legal, porque não tinha ninguém na época [em que comecei]. Acho que foram vendo que menina dá para correr contra menino e que não é para ter medo.

Quando você ganha dos meninos, eles falam alguma coisa?

Eles ficam bravos. Muito bravos.

Você acha que tem diferença entre menino e menina pilotando?

Huuuuum. Não! Para mim, não. Eu já fui bem sacaneada, porque na época em que eu comecei eu andava mal para caramba, né? Todo o mundo, eu creio. E eles me zoavam. Mas eu fui melhorando, melhorando, melhorando e não teve mais isso. Impressionante! A gente vai aprendendo com o tempo e vê que tem possibilidade de ser melhor do que os meninos. E que a gente é!

Em quem você se inspira? De quem gosta?

Eu gosto do Ayrton Senna, da Bia e do Rubinho.

Qual é o seu sonho?

Ser piloto da Indy e, se Deus quiser, ter uma oportunidade de entrar para a Fórmula 1. É preciso esforço, nunca desistir, sempre acreditar no meu potencial e não ficar pensando só em ganhar, porque às vezes não dá certo.

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?