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Débora Miranda

A inspiradora história da mexicana que corre 100 km de sandálias

Universa

21/06/2020 04h00

Foi em um daqueles vídeos motivacionais do Facebook que eu descobri María Lorena Ramírez, uma corredora mexicana de 25 anos. Além de disputar ultramaratonas –corridas com distância maior do que os 42 quilômetros das maratonas tradicionais–, ela chamou a atenção do mundo por fazer isso usando: SAIA E SANDÁLIAS.

Lorena corre sempre de saia e sandálias (Divulgação/Netflix)

Lorena vive no município de Guachochi com a família. Seu povo é conhecido como rarámuri, que significa pés ligeiros. Vivem isolados, em meio à natureza, numa região de serras, por onde correm com a mesma desenvoltura que demonstram em provas oficiais. Foi o pai, Santiago Ramírez, quem começou a participar das corridas. E foi levando os filhos. A primeira prova em que inscreveu Lorena era uma corrida de 10 quilômetros. Ela ganhou.

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Depois disso, passou a disputar provas de 50 e 100 quilômetros. Eu sempre nutri admiração especial por pessoas que correm longas distâncias, talvez por ter uma ideia do esforço surreal que isso exige, além da disciplina e do treino necessários para conquistar a resistência e a forma física que permitem uma superação desse tamanho.

Quando vi as sandálias que Lorena usa para correr, chamadas huaraches, fiquei chocada. Com tênis, amortecedor e mil apetrechos, a gente já chega cheia de dor, tanta gente se lesiona, tem bolha nos pés. Como corre 100 quilômetros de sandália, meu Deus?

Fui pesquisar mais sobre Lorena. Com o sucesso que fez, ela ganhou páginas de alguns jornais e revistas. Foi convidada para disputar provas na Europa –a primeira mulher rarámuri a ter esse mérito. Participou até de um ensaio da revista "Vogue" mexicana.

Mas fazê-la falar é missão quase impossível. Lorena é tímida, fechada e quase sempre calada. Nas provas de que participa, tem status de celebridade. Pessoas gritam seu nome no percurso e pedem para tirar fotos na chegada. Ela segue séria, zero deslumbre, quase incomodada com o assédio.

Até a Netflix fez um documentário sobre suas conquistas, chamado "Lorena – la de Piés Ligeros", mas, mesmo no filme, a corredora pouco fala. De toda forma, é interessante descobrir como vive esse povo que, naturalmente, pelas demandas do dia a dia, desenvolve tanto talento para a corrida.

Para ir à cidade fazer compras, Lorena e suas irmãs levam entre três e quatro horas andando. Só os homens da família puderam estudar e, para chegar à escola, caminhavam cerca de cinco horas todo dia. É responsabilidade das mulheres cuidar da casa e dos animais –o que faz com que caminhem quase 10 quilômetros diariamente. Todos os integrantes da família, quando vencem alguma prova, dividem o dinheiro com os outros e ajudam os pais.

E, apesar do orgulho pelos bons resultados e pelas grandes conquistas, Lorena não parece ambicionar mudanças drásticas em sua vida. Diz que, quando viaja, sente saudade de sua terra. Revela que já usou shorts para correr, mas sempre debaixo da saia. "Não seria a Lorena sem minha saia", decreta. Ao ganhar um par de tênis, agradece, mas diz que provavelmente não usará. "As pessoas que usam isso estão [nas corridas] sempre atrás de mim."

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?