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Débora Miranda

"Tinha pai que brigava quando o filho perdia para mim", diz Bia Figueiredo

Débora Miranda

29/03/2018 05h00

A primeira. A única. Palavras frequentemente ligadas à brasileira Bia Figueiredo, 33 anos, piloto de automobilismo que disputa a Stock Car. O universo das corridas de carro ainda é bastante restrito e conta com poucas mulheres. "Está mudando, mas ainda dá para contar nos dedos", diz Bia.

(Divulgação)

Ela foi a primeira mulher do mundo a vencer na Firestone Indy Lights, a única a ganhar na Fórmula Renault, a única a ter uma pole position na Fórmula 3, a primeira brasileira a conquistar um lugar no grid e a disputar as 500 Milhas de Indianápolis. Mas além de suas conquistas na pista, Bia teve muitas vitórias na vida –toda dedicada ao automobilismo. "Quando eu era criança, gostava de boneca, mas também gostava de carrinho", lembra.

Em entrevista ao "Extraordinárias", ela conta como aprendeu, desde muito nova, a se impor nesse universo tradicionalmente masculino. "No kart, o preconceito era mais comum. Perder para mim era ridículo. Tinha pai que brigava com o filho. Os mecânicos zoavam." Bia lembra, ainda, de quando foi proibida por seus agentes de namorar e elogia o marido: "É uma pessoa espetacular, um grande parceiro".

Leia, abaixo, trechos.

Paixão desde a infância

"O meu pai é médico psiquiatra e a minha mãe é dentista. Então, na minha casa, não tinha nenhuma cultura de automobilismo, a não ser ver Fórmula 1. Mas meu pai percebeu que eu gostava de assistir, de acompanhar. Que gostava de boneca, mas também gostava de carrinho. Adorava as brincadeiras de meninos, que eram mais atiradas, pular, jogar bola… A minha mãe era meio preocupada por eu ser muito molecada. Mas meu pai dava risada. Ele foi quem me apoiou mais inicialmente. A minha mãe apoiou depois que ela viu que eu gostava mesmo. Tive sorte, ter o apoio da família nem sempre é fácil."

O kart, amor à primeira acelerada

"Quando eu tinha uns cinco anos, meu pai me levou ao kartódromo. E eu amei, queria aquilo para mim. Aí, quando eu tinha entre sete e oito anos, ele me colocou na escolinha. Lá você tira carteirinha da CBA [Confederação Brasileira de Automobilismo] para ser piloto e poder disputar os campeonatos oficiais. Quando eu tinha uns 12 anos, comecei a trabalhar com o Nailor Campos, conhecido como Nô, que foi preparador de motor do Rubinho [Barrichello]. Ele começou a me incentivar a focar mais, a me preparar fisicamente."

Poucas mulheres

"O automobilismo ainda é um meio fechado, mas está melhorando. Neste ano, pela primeira vez, trabalho com uma engenheira mulher, a Rachel Loh. Eu e ela somos as únicas na Stock Car. Tinha uma mecânica, mas ela foi morar fora do Brasil. Quando eu comecei, não tinha ninguém. Depois, apareceu a Suzane Carvalho e, para mim, foi muito legal ver uma mulher correndo, ela era uma grande referência."

Preconceito

"No kart era mais comum. Nos anos 1990 não tinha ninguém [nenhuma mulher]. Então, perder para mim era ridículo. Tinha pai que brigava com o filho quando perdia para mim, os mecânicos zoavam. Tudo era mais difícil. Tinha corrida em que os caras batiam em mim [no carro], e eu tinha que revidar. Era briga! Mas aos poucos fui ganhando respeito."

Bater de volta

"No começo eu lembro que chorava. Muito. E aí colocaram um professor para me ensinar a bater de volta nos meninos, e eu adorei. Sentava paulada na galera. Hoje, na Stock Car, se algo assim acontece, eu vou conversar e pergunto qual é o problema. Mas, hoje em dia, eu nunca acho que é por causa de mim ou porque sou mulher. Converso quando há algo na corrida que me desrespeite como piloto."

Homem x mulher nas pistas

"Automobilismo envolve a máquina. Eu não preciso de força hoje para guiar o carro, preciso de resistência física. Tenho que fazer um trabalho físico melhor do que o dos homens? Tenho. Mas se eu trabalhar bem acho que não tem problema nenhum competirmos homens e mulheres juntos. Quanto à forma de dirigir, também não vejo nada específico com relação a homem ou mulher. Tive uma época de dirigir de forma mais agressiva. Hoje sou mais racional. Mas tudo depende da situação da corrida e da estratégia. Tem homens que são mais cautelosos do que eu."

Rubinho Barrichello, Bia e Felipe Massa juntos (Divulgação)

Sonhos e legado

"Mais de imediato quero ter minha primeira vitória na Stock Car, ou pelo menos chegar ao pódio. É algo que está engasgado aqui. Tive uma mudança de equipe bacana, estou em um bom momento, aprendi muito no ano passado. Uma hora as coisas vão se encaixar. A longo prazo, acho meu sonho maior é deixar um legado, uma abertura para que mais mulheres possam fazer parte do automobilismo. A situação está mudando, mas ainda dá para contar nos dedos as brasileiras que correm. Ainda é muito pouco."

Vaidade

"Eu sempre fui muito molecona. Nem penteava o cabelo quando eu era mais nova, sempre fui muito desencanada. Meus empresários me cobravam isso, e eu achava um saco. Queria me preocupar só com a corrida. Mas fui amadurecendo e comecei a reparar que, sempre que eu me arrumava, as pessoas percebiam e elogiavam. Eu tinha preconceito, achava que queriam me transformar num símbolo sexual. Mas hoje eu vejo que é legal me arrumar, ficar bonita. Me sinto bem e, para mim, faz diferença."

Sacrifícios pessoais

"Eu comecei a namorar meu marido [o empresário Fabio Figueiredo Andrade Souza –depois do casamento, ele pôs o nome dela, e ela o dele] com 17 anos, era muito nova. E eu tive que terminar a primeira vez meio que obrigada, por imposição dos empresários. Eu nunca fui muito de balada, de pegação, era muito reservada e focada. Logo voltei a namorar com ele escondido, porque não aguentava. Só quem sabia eram meus pais, nossa família. E ele sofria muito, era difícil. Nao sei nem seu eu aceitaria uma situação assim, se fosse o contrário. Aí, quando assumimos novamente a relação, impuseram terminar de novo. Não gostei, fiquei grilada. Com 26, 27 anos, eu já tinha noção do que eu queria para a mim."

Parceiro

"Fabio aguentou toda essa minha vida louca, eu morar fora, correr fora. Para mim foi uma baita prova de amor. Ele quase me pediu em casamento quando eu estava nos Estados Unidos, mas não deixei, não dava. E aí, quando eu voltei para o Brasil, decidimos que estava na hora de nos casarmos. Mas eu mudei muito a minha cabeça. Eu, com 17 anos, achava que quando eu me casasse ia parar de correr. Hoje de jeito nenhum. Há um tempo, achava que se eu tivesse filho ia parar de correr. Hoje eu já acho que não. Eu vou parar e vou voltar. Mas o Fabio é uma pessoa espetacular, ele é um grande parceiro, eu até me emociono. Acho que os homens estão mudando também."

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?