Topo

Débora Miranda

Número 1 do Brasil elogia tenistas: "São mulheres que venceram barreiras"

Débora Miranda

23/10/2018 04h00

"Sou uma pessoa muito tranquila. Gosto de praia, de tocar violão, de estar com pessoas. Sou muito positiva, estou sempre com alto-astral e brincando com as pessoas." Essa é Bia Haddad, 22 anos, a tenista número 1 do Brasil. Ainda criança, Bia trocou São Paulo por Balneário Camboriú para treinar e diz que sempre foi muito determinada com relação ao esporte.

Bia Haddad é a tenista número 1 do Brasil (Divulgação)

Teve que se virar sozinha aos 14 anos –"foi quando aprendi que a máquina não pendurava a roupa sozinha", diverte-se– e conta que sofre com a distância da família. Mas, para ela, todo sacrifício vale a pena. Chegou à sua melhor colocação no ano passado, como a 58ª melhor atleta do mundo, mas perdeu posições ao ter que passar por uma cirurgia. E agora treina pesado para retomar o bom desempenho.

Leia também:

Em entrevista ao "Extraordinárias", ela falou sobre o universo do tênis, destacou que o esporte ainda tem regras diferentes para homens e mulheres –como a de que a jogadora não pode trocar de camiseta na quadra– e destacou a importância da lendária tenista brasileira Maria Esther Bueno (1939-2018) e de Serena Williams. "Se tem uma pessoa que faz bem para o tênis é ela."

Leia, abaixo, trechos da entrevista:

*

O que motivou a sua escolha pelo tênis?

Eu comecei a jogar quando tinha 3 ou 4 aninhos, com a minha mãe. Ela e a minha madrinha tinham uma escola de tênis, então, eu ia para o colégio e depois ficava lá. Meus amigos faziam aulas com elas e todas as minhas primas jogavam, a gente se divertia. Meus avós também jogavam –e ainda jogam. E eu sempre gostei muito de esportes, joguei futebol, fiz judô, natação. Mas eu gostava de competir no tênis, sentia que eu me destacava. Me apaixonei jogando, e foi isso o que mais me motivou.

Você acha que fez alguma diferença na sua carreira o incentivo ter vindo, em grande parte, de mulheres?

Com certeza. O meu meio é muito feminino e sempre tive apoio, desde pequena. Eu percebia, óbvio, que existiam algumas diferenças [no meio do tênis], mas sempre gostei demais.

Que diferenças você percebia?

No clube, a quantidade de meninos jogando torneios era sempre maior do que a de meninas. E a gente tinha poucas referências. É muito mais concreto ver os tenistas brasileiros homens no topo, é mais real. Então, acho que as meninas acabam tendo mais dúvidas sobre se podem fazer aquilo. Essa era uma barreira que eu queria romper comigo mesmo.

A tenista brasileira saiu de casa aos 14 anos para se dedicar à carreira (Divulgação)

Qual foi o maior sacrifício que você já fez pelo esporte?

Saí de casa cedo, de 13 para 14 anos, deixando o colégio em que eu estudava havia nove anos e minha família, a quem sou muito apegada. É difícil às vezes ligar o Skype e ver que está todo o mundo junto, você tem que ficar forte e pensar em coisas boas. Tem que saber que tem um porquê de estar sozinha. Fora isso, as lesões para mim são muito duras, eu tive três cirurgias já. São momentos em que eu paro e penso se vale a pena. Mas aí acabo ficando cada vez mais forte, vem uma vitória, uma conquista, e aquilo tudo se torna mais especial ainda.

Como foi sair de casa tão cedo?

Eu treinava no Clube Pinheiros, em São Paulo, e eles iam interromper algumas quadras, não teria mais como seguir. Estava procurando um lugar para treinar e fiz um teste lá na academia do Larri [Passos, que também foi técnico de Gustavo Kuerten]. Na época, ele nem aceitava mulher, na verdade. Mas eu tive a chance de fazer a pré-temporada, gostei, ele aceitou que eu ficasse lá e acabei me mudando para Balneário Camboriú. Foi logo que eu fiz 14 anos. Eu ia para o colégio e, de lá, já ia para o treino. Tinha uma rotina que me ocupava bastante, o que era bom. E, aos finais de semana, eu ia com os amigos para a praia, andava de bicicleta, fazia coisas diferentes. Foi um momento especial.

Você se cuidava sozinha?

Sim. Foi quando eu descobri que detergente acaba, que esponja tem que comprar, que a máquina não pendura a roupa sozinha [risos]. Foi quando eu aprendi a cozinhar, parei de fazer só miojo e ovo. Foi muito importante para o meu amadurecimento.

O tênis tem muitas mulheres importantes, que lutaram pela igualdade de gêneros. Teve a Billie Jean King, que até virou filme, a Serena Williams, que recentemente foi bastante comentada. Qual é a sua visão sobre essas mulheres e a importância delas para você?

A Billie Jean eu acho gênia! Dentro das quadras e fora. Por tudo o que ela passou e conquistou. A própria Maria Esther [Bueno, jogadora brasileira] pegou essa fase. Foi quando elas conseguiram romper barreiras, cortar uma saia e poder não jogar mais de saia longa. Ou poder usar uma roupa colorida. Poder ganhar pelo menos um pouco a mais, pois nessa época os homens ganhavam dez, 15 vezes o que as mulheres ganhavam. Mais do que jogadoras, elas foram mulheres que conseguiram romper barreiras. Agora, as jogadoras que ainda estão no circuito, como a Serena, a irmã dela [Venus Williams], a Sharapova, enfim, todas são muito importantes para a gente conseguir manter essa ideia e cada vez mais ser respeitadas. Com certeza tem muita coisa que pode melhorar. Um das coisas, que parece uma bobeirinha, mas para mim é um absurdo, é o fato de o homem pode trocar a camiseta durante o jogo e a mulher não. Eu, por exemplo, suo muito e tenho dificuldade com o grip na mão, porque realmente atrapalha. E, se quiser trocar a camisa, preciso ir ao banheiro. Mas acaba que, às vezes, é até falta de respeito com a outra jogadora, pois você quebra o ritmo do jogo.

O homem pode trocar a camiseta na quadra e a mulher não?

Porque a mulher não pode estar exposta. Eu já questionei isso, eles dizem que é por questões religiosas, por causa de torneios como, por exemplo, o de Dubai. 

Serena Williams jogou com macacão preto em Roland Garros deste ano; traje foi proibido (Christophe Simon/AFP)

A Serena jogou em Roland Garros com um macacão preto que foi proibido. Você viu machismo nesse episódio?

Ela usou uma roupa muito colada, que, na verdade, é proibida no circuito. A mulher não pode usar nada colado, que marque suas curvas. Eu, inclusive, quando joguei na neve, em Praga, estava -2 graus, eu usei uma roupa toda preta por baixo, colada. Só que não podemos jogar com a roupa colada, então, tive que colocar outra roupa por cima, mais solta. Acabei jogando com duas roupas, o que não é muito confortável. Mas são as regras. No caso da Serena, ela precisava usar uma roupa que comprimisse um pouquinho mais por motivos de saúde [problemas de coágulos sanguíneos pós-gravidez]. Ela estava respeitando uma ordem médica. E eu, acima de tudo, respeito a Serena, acho que o tênis sem ela é outra coisa e, se realmente foi algo referente à saúde dela, não tem porque criar polêmica. Se tem uma pessoa que faz bem para o tênis é ela. Se ela não quisesse mais jogar, poderia parar. Já tem dinheiro, já tem fama. Mas ela mostra que busca coisas boas.

Qual é a importância que a Maria Ester Bueno tem para as jogadoras brasileiras?

Eu diria que infelizmente ela não foi tão reconhecida se você pensar em tudo o que ela conquistou. Maria Esther foi uma mulher extraordinária. O que ela fez, poucos tenistas do mundo fizeram. Uma mulher que entrou para o Hall da Fama, que bailava nas quadras. E sem ganhar praticamente nada de premiação, naquela época. Ela realmente fazia tudo com muito amor e deixou um legado lindo.

A tenista com Maria Esther Bueno: "Ela deixou um legado lindo" (Reprodução/Instagram)

Como está a sua carreira atualmente e o que espera para o futuro?

Eu comecei o ano muito bem, estava em 58º lugar no ranking, mas tive uma hérnia e acabei tendo que fazer uma cirurgia. Estou num momento de concentração, de voltar a jogar no nível que eu vinha jogando. Meu sonho é ganhar um Grand Slam. Ganhar Wimbledon. E Roland Garros.

O que você diria às meninas que têm vontade de jogar tênis?

Primeiro de tudo, que sigam o coração. Se realmente é o que você ama, se você acorda sonhando com isso, entregue-se cem por cento para conquistar o seu sonho. É muito duro, exige esforço, trabalho, tem que abrir mão de muita coisa, mas com certeza vale a pena. E se precisarem de qualquer coisa, se um dia quiserem conversar, estou superdisposta e aberta a ter mais amigas.

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?