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“Me senti exposta e humilhada”, diz repórter beijada à força

Débora Miranda

21/03/2018 05h00

É xingamento, assédio, agressão física. O mundo do esporte — e não me refiro apenas aos torcedores, mas aos técnicos, aos atletas e a tantos outros que de alguma forma participam de eventos esportivos — ainda tem muito a aprender no quesito respeito. E a situação é mais delicada quando se trata de respeito às mulheres. Sem generalizações, o futebol tende a ser uma modalidade bastante cruel para as mulheres — tanto para as que trabalham com ele quanto para as que torcem. E a minha sensação, como jornalista e frequentadora de estádios, é que isso está longe de acabar.

No início do mês, a repórter Renata de Medeiros, da Rádio Gaúcha, foi xingada de puta por um torcedor do Internacional que, depois, a agrediu. A jornalista italiana Titti Improta teve que ouvir do treinador do Napoli, Maurizio Sarri: "Só não te mando tomar no cu porque você é uma mulher e bonita". No mês passado, uma torcedora e musa do Goiás encarou piadas de duplo sentido e teor sexual no programa "Os Donos da Bola", da TV Goiânia. "Se o seu nutricionista mandar você chupar uma laranja porque faz muito bem para a saúde, você chuparia um saco por dia?"

Torcedor beija a jornalista Bruna Dealtry à força, ao vivo (Reprodução)

Isso para citar poucos e recentes exemplos. Até quando? Me consola que, na mesma medida, a resistência cresce do lado de cá. E como uma pequenina parte dela estreio hoje no "Extraordinárias" a seção "Gol de Cobertura", em que abrirei espaço para que as jornalistas esportivas, alvos tão frequentes desse tipo de desrespeito, possam dividir suas histórias. E começo por aquela que mais me chamou a atenção recentemente: Bruna Dealtry, do canal Esporte Interativo, que foi beijada à força por um torcedor, ao vivo, na semana passada. "Fez com que eu me sentisse extremamente exposta e humilhada enquanto trabalhava", conta ela, no depoimento que deu com exclusividade ao blog.

Bruna fala do amor pelo esporte e da alegria por poder trabalhar tão junto à torcida. "Gosto mesmo de uma bagunça!" Ela revela, ainda, que as mensagens que recebeu, de apoio e carinho após o episódio, fizeram com que ela tivesse esperanças de um mundo melhor. "Assédio, machismo, falta de respeito ou mimimi. São várias as interpretações, mas o que achei mais válido foi o debate sobre o assunto. E isso tem um valor enorme."

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"Trabalhar com esportes é algo que sempre mexeu comigo! A adrenalina de um jogo decisivo, o sabor da vitória, os dramas das derrotas e a emoção dos torcedores… Ahhh! A torcida é peça fundamental nas competições, o motivo pelo qual tudo acontece. É ela que dá o tom de cada espetáculo! E foi justamente no meio da galera que vivi experiências marcantes recentemente.

Sempre fui uma repórter que adora estar com a torcida! Gosto mesmo de uma bagunça! Normalmente me saio bem conversando com torcedores de todos os times e sou muito respeitada. Acho importante o olho no olho e saber o que as pessoas pensam, até para entender melhor a qual notícia eu devo dar prioridade nas minhas entradas ao vivo. Ainda vou voltar ao episódio mais complicado e que mais repercutiu, mas quero começar pelo mais recente.

No jogo de domingo passado, pela última rodada da fase de grupos da Taça Rio, eu estava na torcida do Vasco. Fiquei sabendo que o técnico do clube, o Zé Ricardo, tinha optado por escalar o Andrés Ríos e o Riascos no setor ofensivo da equipe, algo inédito em um começo de partida. É claro que precisava abordar isso com os torcedores, ao vivo. E a resposta foi de uma sinceridade desconcertante! Perguntei: "Ríos e Riascos juntos, o que que isso vai dar?" A resposta do vascaíno foi: "Merda!" Só me restou rir da situação. E do vídeo que viralizou.

Não foi a primeira vez que uma situação como essa aconteceu comigo, ao vivo. O jogador do Vasco Manga Escobar já tinha falado um palavrão ao vivo no seu primeiro dia no clube. Surpreendente! E, embora sem graça, precisei demonstrar jogo de cintura. Também não deu para evitar que todos percebessem que um passarinho fez cocô bem na minha testa enquanto relatava as notícias do Flamengo. Acho que tive reações engraçadas no meio de episódios caóticos, porque o improviso faz parte do meu trabalho e cada um desses momentos serve de aprendizado, além de render boas risadas.

(Divulgação)

Mas uma das situações que aconteceram comigo não teve nenhuma graça. Não foi legal, como disse no momento em que aconteceu. Enquanto conversava com vascaínos antes do jogo de estreia do time cruzmaltino na fase de grupos da Taça Libertadores, um torcedor beijou a minha boca. Do nada. Inesperado! Sim, foi rápido, ele achava que era apenas uma brincadeira, mas fez com que eu me sentisse extremamente exposta e humilhada enquanto trabalhava. Ao vivo. Com todo o mundo olhando ao meu redor e também do outro lado da TV.

A repercussão desse episódio me assustou ainda mais depois que eu desabafei nas redes sociais. Achei necessário mostrar como me senti para que algumas pessoas entendessem que isso não é normal e não é mais para acontecer. Assédio, machismo, falta de respeito ou mimimi. São várias as interpretações, mas o que achei mais válido foi o debate sobre o assunto. E isso tem um valor enorme. Ainda precisamos aprender muito sobre esse tema, mas a quantidade de pessoas que me escreveram mensagens de apoio e carinho me fez acreditar em um mundo melhor.

No jornalismo, estudamos muita teoria e, no dia a dia, nos preocupamos em ter a informação mais precisa, em explicar com clareza, em dar voz às pessoas que estão protagonizando as emoções do esporte. Mas há algumas coisas que não podemos prever, ainda mais ao vivo. O meu compromisso é com a sinceridade, em todos os momentos. Talvez eu seja até mais espontânea do que as cartilhas pregam, mas é como eu me comunico e é como crio empatia com o público. Quando essas coisas acontecem, tento ser apenas eu mesma. Expondo a alegria, a surpresa e o desconforto. Não sei se essa fórmula funciona para todo o mundo, mas, para mim, ainda bem, tem dado certo!"

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Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?