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Débora Miranda

Cris Cyborg: “Minha mãe não queria que eu ficasse levando soco na cara”

Débora Miranda

28/02/2019 04h00

Foram 13 anos de invencibilidade. Cristiane Justino Venâncio, conhecida como Cris Cyborg, 33 anos, é uma das maiores lutadoras brasileiras e o fato de ter sido derrotada em dezembro último por Amanda Nunes não mudou isso. Como ela mesma diz: "Tem dias em que você é abençoada e tem dias em que você é usada para abençoar alguém".

Cris Cyborg na luta contra Amanda Nunes (Sean M. Haffey/Getty Images/AFP)

Cris mostrará um pouco de sua vida na terceira temporada da série "Nascidos para o Combate", que faz um retrato da vida e da profissionão dos grandes nomes do MMA (mixed martial arts ou, em português, artes marciais mistas). O programa estreou no canal Combate no dia 11, mas o primeiro episódio com Cyborg vai ao ar na segunda (4), às 20h.

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A lutadora diz que é importante humanizar os lutadores e que as pessoas, que hoje são fãs de UFC e gostam de acompanhar o esporte, conheçam a árdua trajetória desses atletas. Ela lembra, ainda, como precisou esconder dos pais quando começou a lutar, pois eles não aprovavam.

"Na verdade, a minha mãe não queria que eu ficasse levando soco na cara. Ninguém gosta de ver isso. A maioria dos pais não vê isso como esporte, não quer que sua filha vá para a academia e fique tomando soco no rosto. Até hoje é algo que a minha mãe não gosta de ver."

Leia trechos da entrevista ao Extraordinárias.

Como você acha que o programa "Nascidos para o Combate" pode mudar a visão que as pessoas têm de você e da sua carreira?

É bom porque os fãs podem ficar mais perto, saber mais de mim não só dentro do octógono, mas fora também. Conhecer mais sobre a vida pessoal, como eu cheguei aonde cheguei. As pessoas veem minhas lutas, mas existe muito mais do que isso. Por trás de um atleta tem a história de vida dele, tem o sacrifício. Muitos fãs não sabem disso, não têm noção de que é preciso ter muita disciplina, muita força de vontade, porque as coisas não são fáceis. Além disso, podem ver que somos pessoas comuns, que passam as mesmas adversidades que eles, os mesmos problemas. Humaniza um pouco o atleta.

O que acha que as pessoas vão descobrir sobre você que elas não imaginavam?

Muitas pessoas me conhecem como a máquina de bater, mas, na verdade, eu tenho coração. Uso o meio de luta também para outras coisas, como compartilhar a minha fé, motivar as pessoas, ajudá-las a super problemas. E isso é o mais especial. Independentemente de ser campeã, o importante é o que você passa para as pessoas.

Você falou que tem coração. Você se considera uma pessoa emotiva?

Tudo o que eu faço é de coração. Sou uma pessoa que não consegue guardar rancor de ninguém, eu perdoo e não julgo os outros. Sou uma pessoa emotiva, com certeza. Eu luto com emoção, acho que isso eu passo nas minhas lutas também. Gosto do que eu faço e faço com o coração, com amor.

Você enfrentou alguma resistência da sua família quando decidiu lutar?

A minha família não concordava. Hoje, todo o mundo gosta de ver luta, é um esporte. Antigamente, ninguém achava que MMA era profissional, as pessoas não viam isso como futuro para alguém. Então, minha mãe e meu pai não concordavam. Houve um época em que eu treinava escondida. Só um tempo depois eles reconheceram como esporte eviram ali um futuro, uma profissão. Mas no começo não era uma coisa que a minha mãe queria que eu fizesse.

A resistência deles era mais por achar que não havia futuro ou tinha algo a ver com o fato de você ser mulher?

Na verdade, a minha mãe não queria que eu ficasse levando soco na cara. Ninguém gosta de ver isso. A maioria dos pais não vê isso como esporte, não quer que sua filha vá para a academia e fique tomando soco no rosto. Até hoje é algo que a minha mãe não gosta de ver. Meus pais ficam nervosos nas minhas lutas, normalmente não é uma coisa que as pessoas que te amam gostam de ver. Mas isso é independente de eu ser mulher. Mesmo se fosse meu irmão eles não gostariam.

Você motivou muitas mulheres a praticar lutas e também a acompanhar e assistir mais aos combates. Qual é a importância disso para você?

Esse sempre foi o meu foco. As pessoas costumam dizer que luta de mulher é ruim, então, todas as vezes em que lutei, tentei buscar o meu melhor, pois queria mostrar que as mulheres têm técnica. Que elas podem ganhar lutas assim como os homens. Queria quebrar esse pensamento de que mulher não sabe lutar. Aos poucos, fui conquistando o meio da luta e também motivando as mulheres. Acho que elas se inspiram.

"Tem dias em que você é abençoada e tem dias em que você é usada para abençoar alguém", afirma cris (Divulgação)

Fisicamente as lutas têm alguma diferença para homem ou mulher?

Na verdade, as pessoas não tem noção que estou sendo preparada para aquilo. Eu chego numa luta e vou levar soco. E estou lutando com uma pessoa preparada para o mesmo. Porque a minha mãe não fica só triste quando eu estou levando soco, mas também quando estou dando soco. É preciso que as pessoas tenham noção de que as duas pessoas estão preparadas para aquela situação, que é um esporte, que tem regras. É um esporte violento, mas as duas pessoas estão preparadas, elas concordaram e treinaram para aquilo.

Você perdeu uma invencibilidade de mais de uma década (em luta realizada em dezembro, contra Amanda Nunes). O que isso significou na sua carreira e na sua vida?

Eu sempre penso que o que eu faço na academia é o que vou fazer na luta, por isso sempre dou o meu melhor, quero estar preparada. Lógico que ninguém se prepara para apanhar. Treino para não acontecer isso, mas pratico esportes desde os meus 12 anos e sempre soube ganhar e perder. Eu nunca falei que era invencível. Sempre treinei muito, me preparei muito para enfrentar as minhas adversárias, mas deixei nas mãos de Deus. Tem dias em que você é abençoada e tem dias em que você é usada para abençoar alguém. Tenho essa mentalidade. Se aconteceu de eu perder, era porque era a hora. Fiquei 13 anos invicta, mas treinando da mesma forma. E vou continuar assim. Eu fico triste? Fico. Mas é preciso ver o lado bom disso. Nas derrotas a gente sempre pode aprender algo. O que não pode é desistir. Isso é a vida. Tem que se fortalecer.

É importante para você ter uma revanche?

Após a minha luta, no mesmo dia, eu pedi para o Dana White [presidente do UFC] a revanche. Mas não depende só de mim, a outra pessoa tem que concordar com a revanche. Também não é algo que eu vou parar a minha vida para ter. Eu já perdi minha primeira luta no MMA, pedi minha revanche e nunca tive. Depois dessa luta, eu fiquei 13 anos sem perder. Não é algo que vai mudar a minha trajetória.

Você considera que o esporte tenha transformado a sua vida?

Com certeza. E acho que o esporte transforma a vida de muita gente. Tira você das drogas, da má influência, de amigos que não têm um objetivo na vida. O esporte seleciona as pessoas ao seu redor. E foi sempre muito bom para mim, me levou a lugares que eu pensei que nunca ia chegar ou estar. O esporte abre muitas portas.

Qual é o seu maior sonho ainda a realizar?

Eu quero seguir no meio da luta, quero continuar inspirando as meninas para o esporte crescer cada vez mais. E também motivar as mulheres que são de outras áreas e estão buscando espaço. Incentivá-las a praticar esporte, não necessariamente para ser atleta, mas para a saúde. Quero fazer com que as pessoas se sintam bem, isso é o mais especial para mim.

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?