"Você foi desclassificada por usar hijab": a luta das atletas muçulmanas
Débora Miranda
27/10/2019 04h00
Noor Alexandria Abukaram correu com hijab e fois desclassificada (Reprodução/CNN)
A notícia fez com que Noor Alexandria Abukaram sentisse seu coração partir. "Você foi desqualificada por causa do seu hijab." A jovem de 16 anos faz parte da equipe de cross country de uma escola de Ohio, nos Estados Unidos. Ela participou de uma corrida de cinco quilômetros no fim de semana passado e conta que se assustou ao ver seu nome fora do quadro de resultados.
"Senti que algo horrível tinha acontecido. Algo que eu sempre pensei que pudesse acontecer, mas que ainda não havia acontecido. Fiquei sem graça, pois nunca achei que aconteceria", afirmou em entrevista à CNN.
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Diferentemente das outras meninas, Noor correu usando calças –além do hijab. A comissão organizadora da prova argumentou que ela não estava com uniforme apropriado e, citando o hijab, decidiu desclassificá-la.
O hijab é um véu usado por mulheres muçulmanas para cobrir a cabeça. Ele já foi muitas vezes centro de polêmicas, por ter sido entendido como forma de opressão à mulher muçulmana. Há, no entanto, muitas que o exibem com orgulho, como forma de tornar a religião visível. Especialmente entre as meninas mais jovens, que têm crescido com forte senso de empoderamento e são bastante incentivadas pelos pais a se envolver em todas as atividades possíveis –como as esportivas– sem se deixar excluir nem permitir que os hábitos religiosos, tão preciosos a eles, sejam questionados.
"[O hijab] É parte de mim e não vou tirá-lo para poder correr", decreta Noor. "Não quero que isso aconteça com ninguém mais e não quero que meninas mais novas do que eu tenham que se preocupar com isso."
Luta de gerações
O mesmo sentimento de Noor motivou a esgrimista Ibtihaj Muhammad, a primeira esportista americana a competir nos Jogos Olímpicos usando o véu muçulmano.
A atleta afro-americana enfrentou a discriminação desde a infância, por causa da cor de sua pele e do hijab, que insistia em usar.
"Lembro que, quando criança, me dizia que não pertencia a este esporte por causa da minha cor de pele, porque era muçulmana. Assim, se puder ser um motivo de mudança para outras minorias, faria eu me sentir afortunada", disse em entrevista à agência France Presse, em 2016, pouco antes da Olimpíada do Rio.
A atleta Ibtihaj Muhammad disputou a esgrima, no Rio em 2016, usando seu hijab (Ezra Shaw/Getty Images/AFP)
Atletas muçulmanas disputam a Rio-2016; veja galeria de fotos
Foi, aliás, em terras brasileiras que as atletas muçulmanas se posicionaram mais fortemente pela primeira vez e mostraram que poderiam, sim, competir em modalidades esportivas sem abandonar as tradições religiosas –mesmo que isso pudesse soar estranho para o resto do mundo.
A foto da egípcia Doaa Elghobashy subindo à rede no vôlei de praia contra a alemã Kira Walkenhorst repercutiu no mundo todo. Enquanto a alemã usava um biquíni, traje comum no esporte, a egípcia vestia calça e hijab.
No remo, a iraniana Mahsa Javar disputou com véu, assim como Ayesha Al Balushi, dos Emirados Árabes Unidos, no levantamento de peso. A maratonista Sarah Attar se tornou a segunda mulher da história da Arábia Saudita a competir em uma Olimpíada. A primeira havia sido a judoca Wojdan Shaherkani, aos 16 anos, que também competiu de véu.
Hijab esportivo
Apesar de tantas atletas já estarem aparecendo em quadra, campo ou areia com seus véus, o assunto ainda é tabu. Em 2017, a Nike divulgou o seu Nike Pro Hijab, versão atlética para os lenços usados pelas mulheres muçulmanas.
Pensado para facilitar a performance no esporte e apropriado para calor e transpiração, contou com a colaboração de atletas muçulmanas para ser desenvolvido, como da halterofilista Amna Haddad.
No início deste ano, no entanto, a loja de produtos esportivos Decathlon desistiu de vender hijabs para corredoras da França após "onda de insultos" e "ameaças sem precedentes". Muitas manifestações contra o produto vieram de integrantes do governo.
A França –que mantém leis rígidas de separação entre Estado e religião– argumenta que qualquer símbolo religioso externo, como os véus, não mantém uma aparência de neutralidade.
Sobre a autora
Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.
Sobre o blog
Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?