A Copa do feminismo e a final polêmica que dividiu o Brasil
Dizem que não é de bom tom discutir política, religião nem futebol. Na mesma medida em que podem transformar vidas (e talvez até por isso), os três despertam reações apaixonadas e, muitas vezes, desmedidas. São, de fato, atividades que mobilizam fanáticos (e não digo isso necessariamente no mau sentido, apesar de que, às vezes, sim).
O brasileiro há muito decidiu ignorar essa regra e, especialmente nas redes sociais, instaurou-se um clima de salve-se quem puder. Com a crise política, o país se rachou, e todo dia é um novo bloquear amigos e perder amizades. A intolerância e o desrespeito pelo diferente me incomodam, mas a Copa me fez ver o lado bom desse debate acirrado.
A política passou a ser assunto cotidiano, e não algo em que a gente pensa só em ano de eleição. As questões sociais estão sendo amplamente discutidas. E só isso já tem grande valor. Ânimos exaltados, debates acirrados e crentes no hexa, chegamos ao Mundial da Rússia.
E para me deixar ainda mais orgulhosa e, confesso, um pouco embasbacada, o clima de Carnaval não interrompeu as exigências por direitos iguais para as mulheres. Nas mesas de bar lotadas em plena tarde de dia útil se discutia o cai-cai de Neymar, mas também os jogadores imigrantes dos times europeus. A camisa verde e amarela virou símbolo de posição política, e a azul (e até uma inusitada versão vermelha) chegou como alternativa.
Foi na Rússia, esse país tão conservador e controverso, que o Brasil experimentou sua Copa mais política e mais feminina. Teve narradoras pela primeira vez na TV brasileira, teve iraniana indo ao estádio sem proibição (e se emocionando demais com isso), teve mulher em cargo forte do futebol entrando em campo com o time, teve muita jornalista trabalhando na cobertura, teve torcedora amamentando na arquibancada e teve mulher que arrumou as malas e viajou sozinha para curtir seu futebolzinho sem medo de ser feliz.
Teve também assédio, é verdade, mas teve muita crítica, bronca e resistência. Ainda não teve mulher na arbitragem nem em cargos técnicos nas seleções. Mas teve, sim, quem se lembrasse da importância disso e colocasse a questão em debate. Reclamar hoje é o primeiro passo para conquistar amanhã.
E como Copa do Mundo não é qualquer coisa, quiseram os deuses do futebol que tivéssemos uma pitoresca final entre França e Croácia, que dividiu o Brasil num Fla-Flu político-social sem precedentes. Somos o país do futebol, com muito orgulho, e não existe chegar a um jogo dessa magnitude sem ter um time para chamar de seu.
Acontece que o efeito simpatia não pega mais ninguém. Filhos fofos de jogador? Quem dá bola? Presidente do país na arquibancada com a galera? Humpf! Essa final é muito maior do que isso e é cheia de contradições. É a vitória de um time pouco acreditado (alguém aí apostou na Croácia no bolão da firma?), um dos poucos a ter uma mulher poderosa na sua delegação. Mas também um time que virou notícia por comemorar suas vitórias com referências ao neofascismo. A França, por sua vez, acompanha a Alemanha de perto no quesito rancor-do-passado nos corações brasileiros. Mas tem uma equipe bastante diversa, poderosa e forte, cheia de filhos de imigrantes (além da Torre Eiffel, claro).
E, finalmente, chegamos a um ponto em que está mais fácil saber em que votar na eleição para presidente do que escolher um time de futebol para torcer na final da Copa do Mundo.
E depois ainda falam que é só futebol.
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