Demitir Jean após caso de agressão é o melhor que o São Paulo pode fazer?
"Todas as famílias têm desentendimentos, e acreditamos que foi o que aconteceu neste caso. Esperamos que os fatos mostrem que esse foi um assunto familiar privado e que nenhum crime foi cometido."
A declaração é de Jack Goldberger, advogado de Jean Paulo Fernandes Filho, e foi dada na semana passada ao UOL Esporte. O goleiro do São Paulo foi acusado pela mulher, Milena Bemfica, de tê-la agredido durante viagem aos Estados Unidos. A afirmação de Goldberger vai de encontro ao conceito que promotoras e advogadas especializadas em violência doméstica tentam mudar: o de que a agressão à mulher é um problema particular.
"Na minha opinião, houve uma evolução em todos os aspectos da sociedade que, antes, naturalizava a violência doméstica e a via como um problema privado da família. Mudou esse paradigma, e as pessoas começam a atentar para essa realidade que afeta milhares de mulheres", afirma Fabiana Dal'Mas, promotora de Justiça de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar do Ministério Público de São Paulo.
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O caso de Jean veio a público depois que Milena postou vídeos em sua rede social mostrando o rosto ferido e pedindo ajuda. A polícia foi chamada, e Jean acabou preso. Segundo o boletim de ocorrência, ele teria desferido oito socos contra a mulher, que tentou se defender com uma chapinha. Jean já foi solto e responderá em liberdade.
Enquanto isso, no Brasil, o São Paulo, clube em que Jean atua, divulgou uma nota dizendo que "tomou uma decisão sobre o futuro do atleta após averiguar detalhes do episódio". "Por questões legais que impedem qualquer iniciativa durante o período de férias, vigente neste momento, o clube tomará as medidas cabíveis tão logo esta etapa se encerre."
O blog apurou que a intenção da diretoria do clube é mesmo demitir o jogador –que, aliás, já teve outros problemas no ambiente de trabalho. Mas demitir Jean é o melhor que o São Paulo pode fazer neste momento? Na opinião de especialistas em violência doméstica ouvidas pelo blog, sim.
"A decisão é paradigmática e educativa. Várias entidades têm caminhado nessa direção. Por muitos anos, a violência contra a mulher foi tolerada. É importante que haja decisões de cunho educativo, que haja consequências. Isso não pode mais ser aceito. O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Por isso, a decisão do clube me parece adequada até em termos de política, como uma forma de dizer que ele não tolera nem apoia a violência contra a mulher", afirma Fabiana.
Flávia Merlini, promotora que atuou no enfrentamento contra a violência doméstica (inclusive no caso Neymar) e hoje está na Promotoria de Justiça Cível de São Paulo, concorda. "A decisão do São Paulo vai ao encontro de todas as políticas adotadas pela sociedade e pelo poder público na defesa dos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica e demonstra sua intolerância com qualquer ato de agressão. A medida revela a preocupação do clube em não pactuar com qualquer forma de violência, seja ela entre torcedores, seja de condutas criminosas praticadas por seus jogadores, evidenciando que o respeito com o ser humano está acima de outros valores. E, neste caso, demonstra respeito com as mulheres submetidas a esse tipo de violência."
Para Rubia Abs da Cruz, advogada e membra da Cladem Brasil (Comitê Latino-Americano Pela Defesa dos Direitos da Mulher), é importante estabelecer medidas exemplares, em casos como esses.
"Os números de feminicídio têm aumentado, e decisões como essa [de demitir o atleta] podem ser exemplares para coibir a violência, para não naturalizá-la nem banalizá-la. Porque é isso o que acontece muitas vezes: é como se o homem tivesse esse poder de bater na mulher ou de violentá-la. Embora existam medidas protetivas, as condenações criminais ainda são ínfimas. Então, apesar de a decisão do clube não ser algo que conste na legislação, acredito que tenha uma ação bastante efetiva e positiva. São milhares e milhares de torcedores, muitos deles homens. É importante esse exemplo."
Masculinidade tóxica: como enfrentar?
Além de dispensar atletas envolvidos em casos de violência doméstica, é consenso entre as especialistas que seria importante os clubes trabalharem também na prevenção de comportamentos violentos.
"Seria interessante debater a masculinidade tóxica. Os clubes de futebol poderiam trazer essa discussão, até na formação básica de meninos mais jovens. O homem não pode chorar, não pode ter uma fraqueza, ele precisa ser forte. Estamos reforçando um padrão que é muito ruim para as mulheres e também para os homens. Estudos vêm debatendo isso nos esportes. Ter uma política educativa seria muito interessante", afirma Fabiana.
Ela cita pesquisas que mostram que em decisões de campeonatos e aos finais de semana, quando há jogos, aumenta o índice de agressão contra mulheres. "É importante ter uma mensagem correta e clara que dialogue com esse público do esporte."
Rubia lembra de uma iniciativa criada pelo deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS), que criou a campanha Cartão Vermelho à Violência Contra a Mulher. A iniciativa contou com a colaboração de clubes de futebol de Porto Alegre, que entravam com a camiseta do projeto e com faixas. Então, além de atingir os próprios jogadores, a iniciativa chegava também à torcida.
"Esse tipo de iniciativa é muito importante e pode atingir muitos homens, porque o futebol está em todas as classe sociais. E ajuda a conscientizar as mulheres também, porque há muitas que sofrem com a violência a vida toda e precisam saber que está errado."
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