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Débora Miranda

Que 2019 não seja o ano que o futebol feminino deu uma virada de 360 graus

Universa

15/12/2019 04h00

Jogadoras da seleção comemoram gol em partida contra o México, na Arena Corinthians (Lucas Figueiredo/CBF)

Este ano foi de renovação para o futebol feminino brasileiro. Com o fortalecimento dos campeonatos estaduais e nacional, os times grandes passaram a investir mais na modalidade –ainda que permaneça havendo uma distância abismal com relação ao masculino. Grandes atletas voltaram a atuar por aqui, e o público mostrou que está cada vez mais interessado no esporte, enchendo os estádios.

A Copa do Mundo, realizada entre junho e julho, veio não só para fortalecer essa movimentação, como para dar a ela consistência. Em uma iniciativa inédita, a TV Globo decidiu transmitir todos os desafios da seleção nacional, enquanto o SporTV passou todos os jogos do torneio. E que jogos!

Mesmo quem nunca tinha ouvido falar nas jogadoras brasileiras se mobilizou na torcida para dar força ao time. A exemplo do que tradicionalmente já acontece em Copas do Mundo masculinas, empresas deram folgas aos funcionários para que pudessem acompanhar as partidas. Atentas a essa visibilidade, marcas decidiram investir no esporte e patrocinar a seleção. A Nike, pela primeira vez, fez uma camisa especialmente pensada e dedicada às mulheres.

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O espaço que as TVs abriram para o futebol feminino também fez com que jornalistas ganhassem espaço –não apenas na reportagem, mas também como comentaristas.

Foi um ano de muitas primeiras vezes. De iniciativas inéditas. De um orgulho que o Brasil ainda não havia experimentado com relação a seu time nacional de futebol feminino –apesar de, claro, todos os fãs de futebol já reverenciarem Marta, a grande estrela do nosso esporte, eleita seis vezes a melhor do mundo pela Fifa.

Mas, neste ano, o Brasil entendeu que era mais do que Marta. Que era também Formiga, Cristiane, Debinha, Tamires, Mônica e tantas outras guerreiras. O Brasil entendeu, o brasileiro entendeu, os times entenderam.

Ironicamente, quem demorou mais a entender e a abraçar a grande virada pela qual o futebol feminino brasileiro estava passando foi a CBF. A equipe foi enviada à Copa do Mundo sob o comando de Vadão, técnico que se mostrou ineficiente ao formar o time e ao conduzi-lo em momentos de dificuldade. Nossas jogadoras, talentosas que são, lutaram –e muito– com o que tinham: a força do grupo e o talento individual.

E, mesmo diante de uma estrutura que ainda era incoerente com o nível de suas jogadoras, elas seguiram, determinadas, caminhando em frente. Batalharam dentro de campo e fora. Falaram em preconceito, em injustiça salarial, deram visibilidade ao lado mais amargo do esporte e seguiram embaladas por alegria. Tornaram-se exemplos para uma nova geração, que está se apaixonando agora pelo futebol brasileiro, e se consagraram ídolos para uma parte da torcida que há muito vem sonhando com esse sucesso e torcendo verdadeiramente por ele.

Pia Sundhage, técnica da seleção

E, quando finalmente a CBF enxergou tudo isso, decidiu contratar uma técnica à altura da nossa seleção. Trouxe a sueca Pia Sundhage –eleita a melhor do mundo em 2012– para comandar o time e abriu espaço para que o cargo fosse, pela segunda vez, ocupado por uma mulher. A reivindicação era antiga. Para as jogadoras, era importante ter uma líder que entendesse suas trajetórias cheias de obstáculos, suas demandas e necessidades. Além, obviamente, de ter uma treinadora altamente capacitada para o trabalho.

Pia mudou a cara da seleção. Deu chance a novas atletas, chamou jogadoras que nunca haviam sido testadas. Após cinco meses de trabalho, segue invicta no comando da equipe, com cinco vitórias e dois empates. Na última quinta-feira (12), anotou a terceira goleada de sua gestão, ao vencer o México por 6 a 0. Foram 20 gols marcados e apenas dois sofridos, numa campanha que tem como objetivo classificar o time para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

O fortalecimento do futebol feminino parecia um caminho sem volta, mas a CBF voltou a mostrar descaso com a seleção. Além de não investir na divulgação da partida desta quinta-feira, na Arena Corinthians, disponibilizou ingressos para o jogo apenas dois dias. Resultado: a partida foi assistida por menos de 5.000 pessoas.

Segundo o blog Dibradoras, a entidade alegou problemas técnicos com o site para a venda das entradas – problema negado pela empresa que administrou a comercialização, que afirmou que a CBF só a procurou na segunda-feira para viabilizar a venda dos ingressos.

"Torcedores inundaram a CBF e as próprias jogadoras com mensagens perguntando sobre os detalhes para ir aos jogos. A resposta de um dos dirigentes da entidade a uma torcedora, por exemplo, evidenciou um certo descaso e até indiferença com a seleção feminina: 'Amanhã estarão liberados. Não vai lotar e teremos lugares para todas'."

Mais uma vez, o Brasil entendeu, o brasileiro entendeu, os times entenderam. E a CBF segue mostrando que está longe de compreender o valor que o futebol feminino já tem para o país. Dizem que, antes de mudar o mundo, precisamos transformar nós mesmos. Está mais do que na hora de a confederação mudar essa linha de pensamento e mostrar que, além de iniciativas isoladas, está verdadeiramente interessada e comprometida em apostar na evolução na modalidade.

Só assim teremos certeza de que 2019 foi um ano histórico para o futebol feminino brasileiro, e não o ano em que ele deu uma volta de 360 graus –ou seja, rodou e acabou voltando exatamente para o mesmo lugar de onde partiu.

*

A seleção volta a campo hoje, novamente contra o México, às 18h30, no estádio Fonte Luminosa, de Araraquara.

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?