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Débora Miranda

Existe o machismo. E existe o machismo contra mulher de jogador de futebol

Universa

28/06/2020 04h00

Falam que eu sou interesseira.

Porque o cara tem dinheiro pode trair, não respeita a mulher.

Tem muita mulher me julgando.

As três frases acima foram retiradas da entrevista que Mallu Ohana, ex-mulher do jogador Dudu, do Palmeiras, deu na última terça-feira ao jornalista Leo Dias, colunista do portal Metrópoles. Na conversa, ela afirmou ter sido agredida pelo ex-companheiro, primeiro verbalmente e depois com murros e puxões de cabelo. Segundo ela, Dudu –já condenado anteriormente por tê-la agredido– costumava bater em sua cabeça para não deixar marcas aparentes. O jogador nega.

O jogador Dudu, do Palmeiras, e a ex-mulher dele, Mallu (Reprodução/Instagram)

O depoimento doloroso, no entanto, não foi recebido com a solidariedade e a urgência que merecia. Não se trata de condenação prévia, mas de se posicionar contra a violência doméstica de forma efetiva e definitiva. O Palmeiras soltou uma nota dizendo apenas que "acompanhará o assunto e a conclusão das investigações". "Aproveitamos para reafirmar nosso posicionamento contrário a qualquer ato que atente contra a dignidade humana, incluindo violência e injustiça."

Além disso, muitos torcedores –muitos mesmo!– foram às redes sociais exigir que o clube não dispensasse o jogador por causa das acusações de Mallu. Inclusive com ameaças. Sem falar nas pessoas que escolheram atacar Mallu diretamente, com mensagens semelhantes a essas citadas no início do texto.

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Se para qualquer mulher é difícil denunciar violência doméstica –por milhares de questões nutridas pelo machismo estrutural que conduz este planeta chamado Brasil–, a situação é ainda mais difícil e delicada quando a vítima é uma mulher e o agressor é um jogador de futebol. São dois lados que ocupam posições extremamente opostas na nossa sociedade.

Como orgulhoso país do futebol que somos, temos nossos atletas, especialmente os craques, como verdadeiros heróis. São eles que, dentro de campo, nos levam ao êxtase, à vitória, ao orgulho, que honram as camisas dos nossos times, que fazem com quem nós, torcedores, sejamos campeões. E, por eles, tudo vale.

Mulheres que se relacionam com jogadores de futebol, no entanto, são consideradas por muitos as Genis do país. Marias-chuteiras, interesseiras. Encaixe aí o preconceito que você conseguir lembrar. São prejulgadas e discriminadas com frequência (e, muitas vezes, por outras mulheres). Elas servem a um perfil específico que domina a mentalidade machista e preconceituosa dominante no nosso país. E por isso, quando são agredidas ou abusadas, não conseguem ser ouvidas com a solidariedade que merecem. Quando enfrentam situações de violência, nem sempre conseguem justiça. O Brasil não se indigna por essas mulheres.

Como bem questionou a jornalista Marília Ruiz em sua coluna no UOL Esportes, nesta semana: "Alguma vítima de crime qualquer é tão questionada, esmiuçada, exposta e ridicularizada como uma mulher de jogador? A suposta vítima é ela e é só dela o ônus da prova da suposta agressão. O mundo duvida dela. O senso comum, ao acompanhar as notícias e os comentários dos torcedores, é que foi ela que agrediu Dudu. Ponto final. É ela que até aqui está com imagem arranhada. Fala-se e escreve-se sobre o comportamento dela, do cuidado que ela deveria ter com os filhos do casal".

Basta olhar para trás. Dudu é o primeiro jogador acusado de violência doméstica? A lista só cresce. Os clubes pouco fazem a respeito. No caso Jean, o São Paulo agiu rapidamente desligando o atleta, mas vale lembrar que Jean era reserva e estava longe de ser um jogador essencial para a equipe tricolor. Mas o que fazer quando o alvo da acusação é um dos craques do time, como Dudu é no Palmeiras? O futebol movimenta milhões de reais ao mês. Quem está disposto a colocar isso em risco dispensando um jogador importante porque ele agrediu a mulher?

Além disso tudo, a imprensa esportiva ainda está dominada por homens –e muitos deles ex-jogadores. Alguns inclusive acusados eles próprios de violência doméstica. Que acolhimento essa vítima pode esperar conseguir?

O machismo atinge todas as mulheres –e, em diversas ocasiões, até os homens–, mas ele age de forma distinta, de acordo com raça, status social e o contexto em que se vive. O mundo do esporte, em especial o do futebol, ainda é um dos ambientes mais hostis para a mulher, seja como profissional, seja como torcedora, seja como atleta, seja como companheira de um jogador. Ainda é um universo misógino e cruel.

Mas a participação feminina em todos os níveis só cresce. E, na mesma medida, precisa crescer a cobrança para que isso tenha um fim. A humanidade e a justiça precisam vir antes de gols. Antes de fama e dinheiro. Antes de contratos milionários. Antes de campeonatos e de troféus.

O fim da violência precisa vir antes de qualquer coisa.

Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?