"Eu escolhi viver", diz medalhista paralímpica que teve tumor e AVC
Débora Miranda
06/10/2018 04h00
Verônica Hipólito foi medalhista na Paralimpíada Rio 2016 (Reprodução/Instagram)
"Eu acho que determinação todo o mundo tem. Muita gente fala para mim que isso é algo do destino, algo de Deus, mas eu acredito que todo o mundo tem uma força muito grande dentro de si. A gente só precisa aprender a encontrá-la. Todo o mundo é muito forte, todo o mundo é grande, todo o mundo é um gigante."
Palavras de Verônica Hipólito, 22 anos, vencedora da medalha de prata nos 100 metros e da de bronze nos 400 metros na Paralimpíada do Rio de Janeiro, em 2016 — além de tantos outros títulos em Mundiais, Pan-Americanos, Sul-Americanos e Brasileiros.
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Verônica é um fenômeno nas pistas de corrida, mas consegue ser melhor ainda fora delas. Descobriu um tumor no cérebro com 12 anos e precisou operar. Depois disso, já passou por mais duas cirurgias pelo mesmo motivo –a última em maio deste ano. Além disso, teve um AVC (acidente vascular cerebral) aos 15 anos e depois ainda descobriu tumores no intestino grosso. Hoje, possui menos força e coordenação no braço e na perna direitos, teve 90% do intestino grosso retirado e a visão temporariamente afetada por uma das cirurgias na cabeça.
Desânimo? Ela teve muito. Revolta? Às vezes. Mas decidiu que não iria desistir do esporte. "Desanimei várias vezes, acho que isso é normal. Mas a questão é se eu ia parar ou não. E eu decidi que não ia parar. E não parei", lembra, sempre determinada e muito bem-humorada.
"Quando eu me revoltei mais foi em 2015, na cirurgia para a retirada do intestino grosso. Fiquei muito chateada, muito triste, na época. Não conseguia comer direito e ainda tive que abrir mão do Campeonato Mundial. Mas decidi que ia voltar, e tinha pessoas que me apoiavam nessa volta. Neste ano também fiquei chateada por ter que operar de novo, foi a terceira vez que operei a cabeça. Mas tudo na vida pode ser para que a gente aprenda algo. E todo o mundo tem problemas. Então, eu foco na solução, nas coisas boas."
Verônica passou por cirurgia em maio e ainda está em recuperação (Reprodução/Instagram)
Incentivada pelos pais, Verônica começou cedo no esporte. "A minha lembrança é que sempre estive fazendo algo", conta ela, que experimentou um pouco de tudo. "Meus pais acreditavam em muitos valores que eu poderia aprender com o esporte. Mas eu não comecei no atletismo. Fiz natação, futebol, futsal, vôlei, tudo. Até hoje eu gosto de todas as modalidades, acho muito divertido."
Ela conta que se encontrou no judô, mas teve de abandonar o esporte depois da primeira cirurgia, pois não podia tomar pancada do quadril para cima. "Aí, meus pais me inscreveram num festival de atletismo, num domingo, às 8h da manhã. E claro que eu não queria ir, porque era num domingo, às 8h da manhã. Mas eu acabei indo e gostei muito. Falei para os meus pais que eu queria ser a menina mais rápida do clube."
Mas, logo depois, Verônica teve o AVC. E precisou enfrentar alguns dos momentos mais difíceis de sua vida. "Um monte de gente falou que seria impossível eu voltar a andar, só que eu falei que queria ser a menina mais rápida do clube. Levei mais ou menos oito ou nove meses para andar sozinha, sem ajuda. Mancava muito e caía na pista direto. Não entendia o porquê daquilo, na época. Mas eu tinha um objetivo, fui crescendo, crescendo, e hoje estou entre as melhores do mundo."
As lições não foram poucas. Verônica diz que logo aprendeu o valor do esforço e da resiliência. "Toda vez que alguém me pergunta o que é a resiliência, eu respondo que é quando você apanha, apanha, apanha, põe a mão no joelho e se levanta mesmo assim. O que me fez resiliente foi o amor das pessoas à minha volta", diz que ela, que tem nos pais força para tudo. "Eles estão comigo quando eu estou numa cama de hospital e todo o mundo fala que não vai dar para mim, e estão me aplaudindo quando estou no lugar mais alto no pódio. Sempre falaram que queriam mudar o mundo para melhor. E, do jeito deles, foram mudando. E é isso que eu quero fazer também. Eles são a minha força, o meu norte, são tudo."
A atleta queria ser a menina mais rápida do clube e, hoje, está entre as melhores do mundo (Reprodução/Instagram)
Estudante de administração, apaixonada por origami, livros e documentários, Verônica ainda faz trabalho voluntário em prol de animais. E trabalha duro para servir de inspiração para crianças e adolescentes que podem formar a próxima geração de talentos do esporte brasileiro. "Estou aprendendo muito sobre o amor. Vejo o quanto as pessoas me amam e como é bom passar o amor para os outros também, como é bom inspirar. Estou aprendendo que se eu escolho viver, vou viver. E eu escolhi viver."
Agora, a atleta se prepara para voltar aos treinos. Sua expectativa é que até o início do ano esteja melhor e possa, assim, retomar as competições. "Estou tomando muito remédio, meus hormônios estão desregulados, estou tomando corticoide, mas todos os dias eu vou para a pista. E lá eu não me sinto doente. Eu me sinto como uma das melhores, é lá que eu fico mais certa daquilo que eu quero, que é inspirar pessoas e ser uma das melhores do mundo. É lá que eu me sinto viva."
Ela ainda completa: "No ano que vem, tem o Campeonato Mundial de Atletismo e os Jogos ParaPan-Americanos, que são o esquenta para os Jogos Paralímpicos de Tóquio, em 2020. E essas são as competições a que eu quero ir e das quais quero ser campeã. Estou brigando e vou lutar até o último milésimo de segundo por elas".
Sobre a autora
Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.
Sobre o blog
Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?