Rifa, faxina, passeio com cães: a luta diária de uma judoca campeã do mundo
Desde que decidiu fazer as primeiras aulas de judô, aos 10 anos, Fátima Belboni de Camargo viu sua vida mudar. Os pais não gostavam que ela praticasse aquele "esporte de menino" e, na academia, ela tinha que treinar com os homens, pois não havia na época muitas mulheres interessadas em artes marciais.
"Sempre fui uma criança muito danada, uma menina peralta. Nunca gostei de boneca, de casinha, de nada disso. Eu gostava de carrinho, de brincar com meus irmãos", diz ela, que cresceu na zona norte de São Paulo.
No caminho para a escola, Fátima sempre passava em frente à academia de judô e acabou conseguindo que o professor a deixasse treinar de graça. "Eu não tinha condições de pagar", lembra ela, que se dedicava ao esporte escondido da família. Hoje, aos 57 anos, Fátima é faixa preta de judô e jiu-jítsu. Tem mais de mil medalhas. Foi seis vezes campeã do mundo. Nove vezes campeã brasileira, oito vezes panamericana e oito vezes sulamericana.
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Tanto sucesso no judô não fez, no entanto, com que Fátima tivesse o reconhecimento merecido –especialmente na parte financeira. Ela vive atualmente em uma pensão — e já houve um período em que precisou dormir na academia em que treinava, pois ficou sem casa. Sem patrocínio, depende de serviços gerais que faz, como faxina e passeio com cães para juntar dinheiro e seguir competindo. Ela também vende rifas, dá aulas e ainda conta com pequenas colaborações de conhecidos.
"Eu luto muito, dentro e fora do tatame. Mas no fim dá tudo certo", afirma sem titubear. "Eu nunca vou desistir. Enquanto Deus me der forças, estou lutando. Falam que aos 57 anos eu já deveria estar aposentando meu quimono, que estou velha. Mas só vou desistir quando Deus me chamar", conta ela que, atualmente, disputa a categoria master.
Fátima treina quatro horas por dia, em média, sendo que durante duas se dedica ao judô e nas outras duas ao preparo físico. "Eu faço um preparo na musculação ou no funcional. Antes, eu treino meu judô. Essa é minha rotina. Também dou aulas de manhã. Além disso, cuido e adoro cuidar da terceira idade. Nós todos vamos envelhecer, precisamos cuidar dos outros com amor e carinho."
A judoca garante que sua forma física está ótima e segue em busca de apoio para as competições deste ano. "Em junho já tem brasileiro, depois sulamericano e panamericano, mais para o fim do ano tem o mundial em Marrocos", planeja. "Preciso começar logo minhas rifas deste ano, pois os meses passam rápido."
Fátima parou de estudar cedo, pois tinha que trabalhar ajudando os pais, mas voltou em 2015 se formou em educação física. Agora, ela planeja fazer uma pós-graduação — que tenha a terceira idade como foco –, diz que vai escrever uma autobiografia e que sonha em ter um projeto social para crianças carentes.
"Outro sonho da minha vida é ter um teto, ter meu cantinho. Ainda mais quando eu estiver bem mais velha. Com bens materiais não me importo, não levamos nada desta vida. Quando fecharmos os olhos, deixaremos tudo aqui. Mas uma casinha eu queria. Fiz minha inscrição no CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano] em 2012, mas nunca saiu.", revela. E emenda, como se dissesse para si mesma: "Enquanto Deus me der forças, estou lutando".
Sempre otimista e um exemplo de resiliência, Fátima diz que, apesar de todas as dificuldades, o esporte transformou sua vida. "Tenho equilíbrio, respeito, disciplina e amigos. Eu aprendi muita coisa com o meu judô e venho aprendendo cada vez mais. Eu amo muito o que eu faço."
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