A brasileira que sabe voar: Jacqueline Valente pula de penhascos de 20m
Débora Miranda
18/08/2018 04h00
Jacqueline Valente salta de penhascos de 20 metros de altura (Dean Treml/Reprodução/Instagram)
"A sensação é maravilhosa. É você que voa, é você que decide se vai mais rápido ou mais devagar. É tudo você." Jacqueline Valente, 32 anos, ainda lembra como foi seu primeiro salto de penhasco — ou cliff diving, como a modalidade é conhecida internacionalmente. Se você não sabe do que eu estou falando, imagine um salto ornamental com uma paisagem bem mais bonita e muito mais altura –o máximo no salto ornamental é 10 metros; no salto de penhasco, as plataformas ficam, em média, a 20 metros (mais ou menos o equivalente a um prédio de sete andares).
Coisa de louco? Não! Coisa de gente bem treinada e cheia de coragem. "Na primeira vez, eu tive medo. Mas sabia que estava fazendo algo para o qual eu estava preparada, algo que eu era capaz de fazer. É um esporte muito mental também", define Jacqueline, que, depois do primeiro salto, em 2012, apaixonou-se pelo esporte e não parou mais.
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Ela começou na ginástica olímpica aos sete anos, em Porto Alegre, e foi atleta profissional, inclusive fazendo parte da seleção brasileira. Teve que parar após uma lesão no cotovelo, mas quis o destino que não fosse o fim das acrobacias. Jacqueline recebeu, então, um convite para virar artista de circo. O ano era 2005, e ela não pensou duas vezes: arrumou as malas, deixou faculdade, namorado e família e embarcou para a Alemanha.
"Viajei para lugares paradisíacos", diz Jacqueline (Alessandro Spinozza Images/Reprodução/Instagram)
"Não me imaginava virando artista nem saindo do Brasil. Mas achei que a sorte tinha batido na minha porta uma vez na vida. Deixei tudo em stand-by e fui trabalhar lá por uma temporada. Quando voltei, depois de uns meses, recebi a mesma ligação de novo, me chamando para voltar. Na terceira vez, meus pais me disseram: 'Filha, isso que está acontecendo com você não é apenas uma coincidência'. Então, fui embora e fiquei mais três anos sem voltar ao Brasil."
Jacqueline acabou se juntando a um grupo de Macau, na China, onde conheceu o cliff diving. Hoje, ela se orgulha em dizer que é a atleta que realiza os dois saltos com maior grau de dificuldade do mundo. Mas reconhece que a modalidade ainda conta com poucas mulheres: são apenas 14 atletas. "Honestamente não sei por quê. É um esporte que exige coragem, mas não acredito que seja esse o motivo."
Tragédia e pausa
Em março deste ano, um acrobata do Cirque du Soleil morreu ao sofrer uma queda durante o espetáculo "Volta" –mesmo show em que o marido de Jacqueline, o polonês Pawel Walczewski, trabalha. Ela estava, na época, fazendo apresentações em um cruzeiro e teria que ficar no mar por nove meses. Após a tragédia, decidiu voltar para casa, ficar junto do marido e dar uma pausa na própria carreira.
"Estávamos planejando juntar dinheiro para pensar em família ou comprar uma casa. E claro que duas pessoas trabalhando é melhor do que só uma. Mas é meu marido, eu o amo e quero ficar com ele, por isso tomei essa decisão. Sei que não vou ficar sem trabalho para o resto da vida, e esse era o momento dele."
Com o marido, o acrobata do Cirque du Soleil Pawel Walczewski, viajando pelos EUA (Reprodução/Instagram)
Ainda é mais comum que as mulheres decidam recuar na vida profissional para acompanhar os parceiros do que o contrário. Jacqueline afirma: "A mulher abre mais mão das coisas por amor. Os homens ainda pensam: 'Como vou deixar que minha mulher trabalhe e me sustente?'. Mas não me arrependo nem um pouco. Estou treinando como posso e vou continuar competindo".
É difícil encontrar locais apropriados para praticar. Ela conta que, mesmo quando acha uma piscina com estrutura para saltos ornamentais, a altura é no máximo a metade do que ela precisa, então só consegue treinar uma parte do salto –que, não raro, é feito de forma completa apenas nos campeonatos.
Mas Jacqueline conhece bem seu potencial e sabe que pode se manter em alto nível nas competições. E afirma que sua motivação não é só a vitória. "Eu adoro a liberdade, o voo, o desafio. Ultrapassar os meus limites, ver do que sou capaz. Nunca imaginei que chegaria aonde cheguei e foi a disciplina do esporte que me proporcionou isso. Viajei para lugares paradisíacos em que nunca pensei estar. E hoje há pessoas que me admiram e que sabem que não há muito mais gente que faz o que eu faço. Por isso, me considero uma campeã apenas de estar lá."
Sobre a autora
Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.
Sobre o blog
Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?