Time põe item contra violência doméstica em contratos: “Decisão política”
Débora Miranda
19/01/2020 04h00
A contratação do jogador argentino Ricardo Centurión, ex-São Paulo, pelo Vélez Sarsfield causou polêmica no clube. Tradicional clube argentino, o Vélez se destaca não apenas por seu futebol, mas por ter se tornado precursor ao criar um Departamento de Violência de Gênero –que se posicionou contra a chegada de Centurión ao clube.
O jogador argentino Ricardo Centurión teve cláusula contra violência doméstica adicionada em seu contrato (Getty)
"Nós fomos contra, a princípio", confirma Paula Ojeda, advogada que atua na área de violência de gênero, que é sócia do Vélez e encabeçou a criação do departamento, em 2018. "Acreditamos que sua forma de atuar e de viver não condiz com o espírito que tem o clube e pelo qual lutamos todos os dias. Mas, apesar de não estarmos felizes com a contratação, estamos muito satisfeitas com o acordo que fizemos com o presidente, Sergio Rapisada. A decisão final foi contratá-lo, mas a diretoria aceitou a condição de colocar essa cláusula contra violência doméstica no contrato dele, que é importante e inédita no futebol mundial."
O atleta, hoje com 27 anos, tem um histórico bastante problemático, que inclui crises com bebida alcoólica, flagrante de tentativa de suborno a um agente de trânsito e acusações de agressão à ex-companheira. Melissa Tozzi denunciou o jogador em 2017.
"Decidi denunciá-lo porque ele me agrediu e me tratou mal psicologicamente. Ele me estilhaçou três dentes e me enforcou", disse na época.
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Segundo Paula, a cláusula incluída no contrato de Centurión junto ao Vélez garante que, em caso de envolvimento em episódios de violência de gênero, abuso ou discriminação o clube pode rescindir seu contrato.
"Isso é um excelente modelo para as próximas contratações e um grande avanço para as políticas de gênero que estamos implementando no clube. E um detalhe: isso não será aplicado apenas ao caso de Centurión. A intenção é que todos os contratos tenham essa cláusula. Isso nos deixa muito satisfeitas, porque esse item contra a violência não será aplicado apenas às pessoas que já têm histórico, mas a todas as contratações feitas pelo futebol profissional", afirma Paula.
Com um número cada vez maior de agressões contra mulheres no mundo todo e em especial em países latino-americanos, os clubes de futebol estão tendo de aprender a lidar com os nomes de seus jogadores nos noticiários –como aconteceu recentemente aqui no Brasil com Jean, goleiro do São Paulo, acusado pela mulher de tê-la agredido.
Paula Ojeda, advogada que trabalha com casos de violência doméstica (Reprodução)
"Há muitos jogadores na Argentina também envolvidos em casos de violência doméstica", diz a advogada. "O papel dos clubes é importantíssimo e creio que seja essa seja uma decisão política a ser tomada. Trata-se de responsabilidade social. A violência de gênero e os feminicídios são situações gravíssimas na América Latina. Por isso repito que é uma decisão política. Sabemos que o futebol profissional é um negócio que envolve milhões de dólares, mas é responsabilidade dos clubes modificar essa situação e não aceitar uma pessoa violenta dentro de suas instalações."
O Vélez, segundo Paula, tem 45 mil sócios. O clube atua em diversas frentes sociais e possui uma escola. Além disso, faz um trabalho voltado à conscientização e à prevenção da violência, voltado também às mulheres. Além de conversas, divulgação de livros e apresentação de filmes que tenham relação com o assunto, o Vélez ajuda gratuitamente pessoas que sofrem com casos de violência doméstica com assessoria jurídica e acolhimento, para que elas possam formalizar a denúncia na Justiça.
Paula conta que, apesar de muitos dos eventos serem voltados às mulheres, os homens são sempre convidados a participar, pois, segundo ela, é importante que todos se conscientizem para que a mudança de comportamento possa ocorrer.
"Esse machismo e essa violência estão em todos os âmbitos de sociedade, não apenas no futebol", afirma ela dizendo que, na Argentina há uma lei que visa erradicar a violência contra a mulher. "E temos, no Código Penal, o feminicídio, que é o homicídio agravado pelo gênero da vítima. Isso também é importante, porque transforma a pena máxima de 25 anos para um homicídio em prisão perpétua para feminicídio."
Sobre a autora
Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.
Sobre o blog
Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?