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"Direito ao esporte ainda é negado às pessoas gordas", diz influenciadora

Débora Miranda

02/08/2020 04h00

Eu era uma criança preta e gorda, que estudava em escola particular. O único momento em que eu conseguia me destacar era quando estava jogando basquete na escola. Eu sabia que era boa, e as pessoas precisavam me respeitar.

Ellen Valias, que criou a página Atleta de Peso e incentiva pessoas gordas a praticar esportes (Reprodução/Instagram)

Ellen Valias, hoje com 39 anos, sempre foi apaixonada por esportes. Começou a jogar basquete na escola aos 9 anos influenciada pelas estrelas da NBA, como Michael Jordan e Shaquille O'Neal, além das craques brasileiras, como Janeth, Marta e Leila.

A professora de educação física de Ellen chegou a aconselhar sua mãe que a levasse para treinar em algum clube –o que não aconteceu. Na adolescência, jogou em alguns times, mas não se profissionalizou. Aos 17, largou o esporte por ter que trabalhar. "Mas eu sempre fiz academia, jogava futebol, treinava muay thai", conta.

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O amor pela atividade física e a prática constante, no entanto, nunca fizeram com que o corpo de Ellen mudasse. "Como faz atividade e continua gorda? As pessoas não aceitam! Eu faço atividade física e continuo gorda. E não tem problema nenhum. Cada um tem um tipo de corpo. O que eu sempre quis foi quebrar o estigma de que a pessoa gorda é doente, preguiçosa, relaxada, que não se cuida. A maioria acredita nisso, é o que gera a gordofobia."

Ellen criou, então, uma página no Instagram que se chama Atleta de Peso (@atleta_de_peso) com o objetivo de incentivar outras pessoas gordas a praticarem esportes.

"Quando te apresentam a atividade física é sempre com o objetivo de emagrecer. Está tudo errado. As motivações estão erradas. O esporte está sempre relacionado a estética, a emagrecimento, a punição, a sofrer. A gente tem que entender que o exercício físico tem vários benefícios para o corpo, não só emagrecer. Ninguém fala que é importante para o seu bem-estar. É sempre bumbum na nuca, chapar a barriga. Esporte é bem mais do que isso."

Basquete nos parques

Um dia, passeando no parque com o marido e os filhos, viu uma quadra de basquete, e a saudade bateu forte. "Larguei a minha família e brinquei. Nunca mais parei de jogar", lembra. Isso foi quase há uma década.

Em 2015, Ellen fundou o Rachão de Basquete Feminino. "A gente invade os parques públicos. Sempre me incomodou a ausência de mulheres nesses espaços. Nem sempre é fácil o acesso às quadras, quando a mulher chega e só tem homem jogando."

Em suas redes sociais, conta suas experiências e discute a gordofobia –especialmente no esporte.

A atividade física é negada às pessoas gordas desde criança. A gente começa a receber a mensagem de que nosso corpo não é capaz. Se vai jogar futebol, o gordo tem que ficar no gol. Ou o gordo é ridicularizado, dizem que ele vai ser a bola. Quando tem que correr, ninguém quer escolher a criança gorda porque acha que ela vai atrapalhar.

Segundo ela, por isso muitas crianças acabam construindo uma relação problemática com a atividade física. "Elas nunca vão gostar. Não vão querer participar da aula de educação física. Se a gente falar para as nossas crianças gordas que elas são capazes, se a gente ensinar que elas têm direito de movimentar seus corpos e dizer a elas que o esporte é lazer, isso vai ajudá-las a enfrentar a vida. É muito importante. E é um direito que é negado às pessoas gordas."

Ela é gorda, mas joga bem

Para Ellen, a gordofobia só acabará no esporte quando for uma questão reconhecida e debatida, o que ainda não acontece. "O ambiente esportivo nem abriu essa discussão. Para ele, a pessoa gorda não existe. Nós sempre temos que provar que queremos e podemos estar ali. Dizem: 'Ela é gorda, mas joga bem. Ela é gorda, mas… Sempre como se fosse uma superação."

A forma como as pessoas gordas são excluídas do esporte muitas vezes está em coisas que, por outros olhos, podem ser vistas como detalhes. "Quando eu vou jogar basquete, eu sempre levo a minha camiseta, porque não tem uma que serve em mim. Vamos fazer um amistoso, o colete não me cabe. Para os outro pode ser engraçado, mas isso é gordofobia. Mais explícito que isso só você ser a única pessoa gorda jogando. Isso já mostra que está errado."

Ellen destaca que as academias também tendem a ser lugares pouco acolhedores a quem não tem o corpo dentro do padrão de beleza estabelecido.

Qual é a referência de todo o mundo, inclusive do profissional de educação física? O corpo malhado, que dizem que é o corpo correto. Quando você chega, já acham que você quer emagrecer e te mandam para a esteira. Não há representatividade, as pessoas julgam seu corpo, é opressor. Então, isso afasta quem gostaria de fazer academia. Por isso temos que nos fortalecer, andar juntos, criar ambientes que nos acolham.

A busca por representatividade é essencial, e é isso que Ellen persegue. Ela destaca que, por ser gorda e negra, é invisibilizada duas vezes. "É preciso racializar esse debate da gordofobia, pois nós, negros, temos outra vivência. Eu tenho que gritar duas vezes mais."

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Veja outros dois perfis de mulheres gordas que são pura inspiração na hora de realizar atividades físicas:

 

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Sobre a autora

Débora Miranda é jornalista e editora do UOL. Apaixonada por cultura. Acredita no poder transformador do esporte. Ginástica olímpica na infância. Pilates, corrida e krav maga na vida adulta. Futebol desde sempre. Corinthians até o fim.

Sobre o blog

Espaço para as histórias das mulheres no esporte, mostrando como a atividade física pode transformar vidas e o mundo. A ideia é reunir depoimentos sobre determinação, superação e empoderamento. Acima de tudo, motivar umas às outras. Vamos juntas?